ESQUERDA/ DIREITA: A questão que eu gostava de colocar tem a ver com a definição de esquerda e de direita. Será que existem temas que podem ser exclusivos da direita ou da esquerda? Ainda no outro dia me foi dito que alguém que é pró-americano, não pode ser de forma alguma de esquerda, e ainda, questões como o ambiente, ou segurança social não podem ser temas da direita. Ora, eu considero-me de esquerda, apesar de não me identificar com nenhum partido de esquerda em Portugal, mas apesar disso penso que não se deve politizar todas as questões. Posso até dar um exemplo concreto, como o da privatização da água. Mas o que eu queria, caros infames, era mesmo uma definição clara, concisa e abrangente sobre o que caracteriza Todas as Esquerdas, e Todas as Direitas. E saber se é mesmo necessário separar águas, quando se trata de tomar decisões que poderam não ter nada a ver com o facto de ser de esquerda ou de direita? (Mário Sena)
Caro Mário: isso são bibliotecas inteiras sobre o tema. Definir a esquerda e a direita implica imensas perspectivas históricas, porque os conceitos quiseram dizer coisas diferentes em diferentes momentos. Desde logo, é bom utilizar os termos esquerdas e direitas (como fazem os espanhóis), porque há gente à esquerda socialista, comunista (com 33 variações), ecologista, e mais outras famílias, e há gente à direita conservadora, liberal, nacionalista e mais coisas (e há essa aberração, a «democracia cristã»). Há pontos em que as esquerdas e as direitas se unem entre si, noutras há movimentos cruzados: um liberal estará de acordo com os socialistas (na versão «terceira via») nas questões morais, e os comunistas e nacionalistas estão de acordo em imeeeeeensos assuntos. Sugiro três livros em português: A Direita e as Direitas de Jaime Nogueira Pinto (Bertrand) discute o que o título indica numa perspectiva direitista. Uma visão de esquerdista pode encontrar-se em «Direita e Esquerda», de Norberto Bobbio (Presença). E para uma perspectiva divertidamente apetetada, nada melhor que Anthony Giddens, «Para Além de Esquerda e Direita» (Celta). Critérios tradicionais, como propriedade privada / estatização estão desactualizadas, porque a esquerda socialista evoluiu nessa matéria, mas mantêm-se outros como liberdade / igualdade, que me parece insatisfatório. O critério que me parece mais decisivo - o critério que me esclareceu o facto de eu ser de direita - é o antropológico. A direita acredita na existência de uma «natureza humana», e é extremamente pessimista sobre essa natureza. A esquerda ou não acredita na «natureza humana» (que diz ser uma construção histórica), ou considera que ela existe e é essencialmente positiva. De um lado Maquiavel e Hobbes, do outro Rousseau e Marx. Dessa concepção decorrem quase todas as consequências: atitude face às instituições, face às utopias, face à noção de progresso, e outras. Eu sou um pessimista em tudo, e também em política, e por isso dificilmente podia ser de esquerda (embora existam alguns casos de pessimismo psicológico de esquerda, de Pavese a Benjamin). Não creio é que a distinção passe pelos temas («as perguntas»), mas pelas soluções («as respostas»). Embora, p. ex., a imigração seja um tema caro a certa direita, a verdade é que a esquerda tem ideias sobre o assunto, e o contrário também sucede. Nenhum dos temas que refere é especificamente de direita ou de esquerda, mesmo se alguns o são tendencialmente (grande parte dos temas sociais tem uma óbvia origem na esquerda). E os temas que mais importam, que escapam à política, não podemos dizer que são de esquerda ou de direita (embora os marxistas discordem). Enfim, ficam alguns contributos, mas o melhor é ler autores que estudaram o assunto a fundo. PM