sábado, março 01, 2003
BLOGOSFERA: O JMS fez hoje no DNa uma boa análise do fenómeno «Blog» (não há edição on-line, mas o texto está disponível aqui). Só gostava de acrescentar que a grande novidade dos blogs é dar um retrato da sociedade - e das opiniões - bem diferente do que deciframos nos media tradicionais. E só isso seria o bastante para estarmos contentes. PM
MUVES: About Schmidt é demasiado bem-comportado, a ironia podia ser mais corrosiva, e não sou um fã de Nicholson. De Chicago gostei, talvez porque não goste de musicais. E Adaptation é too clever, uma apoteose da vontade pós-moderna. Continuo na minha: Far from Heaven e Punch Drunk Love é que vão ser. PM
GUINESS: Todos os Sábados bato o meu próprio recorde de velocidade na leitura do EXPRESSO. Qualquer dia, leio o jornal inteiro no caminho da banca até casa. PM
DEUS É UM DETALHE: Somos contra a referência a Deus na constituição europeia. Mas sobretudo, como é óbvio, somos contra a constituição europeia. PM
E O REAGAN É QUE TEM ALZHEIMER: Que o menino Bernardino ache que a Coreia do Norte é uma democracia é apenas o que a casa gasta. Que Mário Soares duvide que os EUA sejam uma democracia só pode ser graçola de comício, desonestidade intelectual ou a definitiva senilidade. Se os EUA não são uma democracia, como bem disse Pacheco Pereira, não há democracias. Mas reparem que a frase não teve um destaque por aí além na imprensa: Soares está na fase de dizer n'importe quoi, e isso já nem é notícia. E uns maduros querem que este senhor seja PR pela terceira vez... PM
MAIL TIME: Concordo em pleno com a teoria do estilo enquanto política a seguir. Mas conheço os seus perigos. Depois de ler «The Soul of Man Under Socialism», do Wilde, dei comigo quase socialista. E claro, os textos do Luís Delgado são tudo menos o antídoto para o feitiço. Quanto ao facto da Igreja ser contra a intervenção no Iraque, é a política, estúpido! Depois de décadas de lamentos conformistas perante a crise de vocação, não admira que o Vaticano se aproveite do rebanho para uma renovada penetração nas camadas carneirísticas. Qualquer dia teremos padres Rosas, Soares, Freitas e Louçãs, e o Melícias a distribuír terços e sacos de plástico nas feiras da província. (Francisco Mendes da Silva)
Comentário: tem razão, Francisco, mas não há muito perigo de nos deslumbrarmos com a prosa dos ideólogos da esquerda, que não primam pelo estilo literário (acham sempre que o estilo é uma «distracção). Quanto ao Wilde, meu amigo: se o Wilde era socialista, nós aqui na Coluna somos da UDP.
Têm um novo amigo (e de direita, embora não venha no B.I, com muita pena minha...), estudante de Direito, amante da literatura de Flaubert e Nabokov, leitor e, antigamente, estudante de filosofia. Gosto imenso de vos ler de madrugada entre uma insónia e outra. Concordo com as vossas opiniões sobre a questão da guerra e entristece-me que, no nosso país, a cultura e a política vivam num triste conúbio esquerdista. Por isso, continuem a zelar pelo equilíbrio necessário entre opiniões de esquerda e de direita, tão importante numa sociedade que se quer democrática e pluralista. (...) a minha predilecção por um "site" que, além de posições políticas sensatas, fornece boas sugestões estéticas. Pedem aos vossos leitores, num dos vossos "posts", que mencionem grandes artistas do presente. A minha escolha guia-se por dois critérios: 1) aprecio tanto a alta, como a, dita, baixa cultura; os autores maiores e os menores (sem conotações desnecessárias e desagradáveis) 2) não aprecio cultura politicamente arregimentada. As minhas escolhas são, predominantemente, anglófilas, o que não constitui nenhum desrespeito por outras culturas. It just happens to be so... Por isso, tendo de escolher 2 ou 3 bandas, escolho os Lambchop, o Nick Cave e o Bob Dylan. Quanto à literatura, escolho Saul Bellow e Don Delillo (neste capítulo, julgo que a literatura e, em particular, o romance, já viveram melhores dias). Quanto ao cinema, posso destacar os incontornáveis Stanley Kubrick (em particular, no fabuloso Laranja Mecânica), o Spielberg (do Minority Report) e os irmãos Coen (obviamente, do Fargo). Introduzo uma pequeno elemento subversivo nas minhas escolhas, para falar de alguns filósofos que vale a pena conhecerem: Hilary Putnam, Michael Sandel e, obviamente, para um bom libertário, Robert Nozick. Quem queira ler boa filosofia contemporânea, tem de contentar-se com americanos e ingleses. Isto é, tanto quanto possível, objectivo. Corro o risco de, ao citar tantos nomes, parecer uma pessoa pedante e elitista, mas, asseguro-vos, só os referencio porque os reverencio. Admito, que as minhas escolhas sejam fruto da espuma dos dias que correm, mas ficaria triste se todos os nobres que citei não sobrevivessem ao tempo. Estou convicto que o farão, enquanto nós lhes dermos voz. (José Barros)
Comentário: Então mas a direita não gosta é de teatro de «revista»? Que desilusão... Quanto às suas escolhas, o Bob Dylan, o Bellow e o Don Delillo são intocáveis. Os Coen e o Cave quando acertam são fantásticos. O Spielberg, só nos filmes sem «moral», como o Catch Me if You Can. Lambchop conheço pior, mas do que conheço gosto. Só no Kubrick é que não estamos de acordo, e havemos de discutir o assunto. O filósofo político do site é o JPC, mas o Nozick é realmente refreshing. Obrigado pelas suas opiniões.
Continuem a votar. PM
Comentário: tem razão, Francisco, mas não há muito perigo de nos deslumbrarmos com a prosa dos ideólogos da esquerda, que não primam pelo estilo literário (acham sempre que o estilo é uma «distracção). Quanto ao Wilde, meu amigo: se o Wilde era socialista, nós aqui na Coluna somos da UDP.
Têm um novo amigo (e de direita, embora não venha no B.I, com muita pena minha...), estudante de Direito, amante da literatura de Flaubert e Nabokov, leitor e, antigamente, estudante de filosofia. Gosto imenso de vos ler de madrugada entre uma insónia e outra. Concordo com as vossas opiniões sobre a questão da guerra e entristece-me que, no nosso país, a cultura e a política vivam num triste conúbio esquerdista. Por isso, continuem a zelar pelo equilíbrio necessário entre opiniões de esquerda e de direita, tão importante numa sociedade que se quer democrática e pluralista. (...) a minha predilecção por um "site" que, além de posições políticas sensatas, fornece boas sugestões estéticas. Pedem aos vossos leitores, num dos vossos "posts", que mencionem grandes artistas do presente. A minha escolha guia-se por dois critérios: 1) aprecio tanto a alta, como a, dita, baixa cultura; os autores maiores e os menores (sem conotações desnecessárias e desagradáveis) 2) não aprecio cultura politicamente arregimentada. As minhas escolhas são, predominantemente, anglófilas, o que não constitui nenhum desrespeito por outras culturas. It just happens to be so... Por isso, tendo de escolher 2 ou 3 bandas, escolho os Lambchop, o Nick Cave e o Bob Dylan. Quanto à literatura, escolho Saul Bellow e Don Delillo (neste capítulo, julgo que a literatura e, em particular, o romance, já viveram melhores dias). Quanto ao cinema, posso destacar os incontornáveis Stanley Kubrick (em particular, no fabuloso Laranja Mecânica), o Spielberg (do Minority Report) e os irmãos Coen (obviamente, do Fargo). Introduzo uma pequeno elemento subversivo nas minhas escolhas, para falar de alguns filósofos que vale a pena conhecerem: Hilary Putnam, Michael Sandel e, obviamente, para um bom libertário, Robert Nozick. Quem queira ler boa filosofia contemporânea, tem de contentar-se com americanos e ingleses. Isto é, tanto quanto possível, objectivo. Corro o risco de, ao citar tantos nomes, parecer uma pessoa pedante e elitista, mas, asseguro-vos, só os referencio porque os reverencio. Admito, que as minhas escolhas sejam fruto da espuma dos dias que correm, mas ficaria triste se todos os nobres que citei não sobrevivessem ao tempo. Estou convicto que o farão, enquanto nós lhes dermos voz. (José Barros)
Comentário: Então mas a direita não gosta é de teatro de «revista»? Que desilusão... Quanto às suas escolhas, o Bob Dylan, o Bellow e o Don Delillo são intocáveis. Os Coen e o Cave quando acertam são fantásticos. O Spielberg, só nos filmes sem «moral», como o Catch Me if You Can. Lambchop conheço pior, mas do que conheço gosto. Só no Kubrick é que não estamos de acordo, e havemos de discutir o assunto. O filósofo político do site é o JPC, mas o Nozick é realmente refreshing. Obrigado pelas suas opiniões.
Continuem a votar. PM
WE: A Coluna Infame é um blog de política, literatura e outras confissões, mantido por Pedro Mexia (PM), Pedro Lomba (PL) e João Pereira Coutinho (JPC). Somos conservadores mas basicamente queremos é que ninguém nos chateie muito. De resto, portamo-nos bem à mesa e não alimentamos ilusões sobre a humanidade. Mandem-nos mails, sugestões, comentários para colunainfame@hotmail.com PL
sexta-feira, fevereiro 28, 2003
WORDS TO REMEMBER: Quando lhe perguntei o que fazer num determinado caso amoroso, N. respondeu: «Gostava muito de te poder ajudar, mas eu também só sei o que vejo nos filmes». PM
O TEMPO PASSA (II): Lembro-me: há dez anos ouvi um tipo meio lunático (mas muito talentoso) dizer que havia um sistema de pôr em rede todos os computadores, de criar correio electrónico e de aceder a um fluxo infinito de informação, e que em breve isso seria o nosso dia-a-dia, mais imprescindível do que a televisão. Na altura achei que ele tinha esvaziado o Johnny Walker. Foi há dez anos. PM
ESTILO: Leio um livro (político) que defende teses com as quais concordo, mas que está mal escrito. Prefiro mil vezes um livro do qual discorde mas que esteja bem escrito. A minha política é o estilo. PM
O TEMPO PASSA: Quando tinha 10 anos pensava no modo como veria os bonecos da Playmobil quando tivesse 30. Agora, aos 30 anos, penso no modo como ouvirei «Blister in the Sun», dos Violent Femmes, quando tiver 60. Tudo isto é um bocado triste. O tempo passa. PM
quinta-feira, fevereiro 27, 2003
COLD SHOWER: Não costumo ir em cantigas. Mas os Coldplay foram um dos meus raros enganos recentes. Embalado pelos elogios da Les Inrockuptibles - nunca resisto à qualificação «hiper-romantismo» - lá comprei o Parachutes. Radiohead contado às crianças e explicado ao povo, com certeza, mas ainda assim um promessa melódica curiosa e uma fragilidade misteriosa. O Nuno Galopim avisou-me logo que era treta, e eu devia ter prestado atenção ao aviso. O segundo álbum vem ao mesmo tempo colocar os Coldplay no centro da atenção mediática e demonstrar a sua banalidade. Rapazes bem comportados não deviam formar bandas pop. E a melancolia deu em xarope, com letras igualmente triviais, e um choradinho oco, inconclusivo. O vocalista deve ser um bom rapaz, mas o Phil Collins também deve ser giro para jogar Cluedo. Mas a lamúria funciona. Fase 1: «estou tão sozinho, não tenho sorte nenhuma com as mulheres». Fase 2: Gwyneth Paltrow. Bolas. PM
PUBLICIDADE TOTALMENTE GRÁTIS: Não se trata exactamente de publicidade, porque os bilhetes estão esgotados, mas da chamada de atenção para um projecto das Produções Fictícias que se tem afirmado como um dos mais interessantes produtos humorísticos portugueses. Refiro-me às Manobras de Diversão. Já os vi três vezes: na Feira do Livro de Lisboa (manobras literárias), e duas vezes no S. Luiz (manobras de Natal e manobras da crise), e houve também um espectáculo que perdi (na Casa Fernando Pessoa). As Manobras têm tido alguma repercussão mediática, por exemplo na SIC-Notícias e no DNa, no Programa da Manhã de Markl e Companhia, entre outros. O maior mérito das Manobras é ter reunido um grupo de actores pouco ou nada conhecidos e que já funcionam como uma inseparável família. São sete impagáveis criaturas. Os homens, em particular, estão entre os grandes comediantes da sua geração, e as senhoras, que têm menos deixas engraçadas (assunto a rever pelas Produções), são no entanto o contraponto certo, sobretudo quando jogam com estereótipos sexuais e sociais. Vamos ao cast. O Marco Horácio - que talvez conheçam do programa de stand up comedy da SIC - é o que em futebol se chama «um mister»: é a coluna de Hércules das Manobras, o director de actores, o apresentador, o mestre de cerimónias, o mestre simplesmente. Com a sua voz nasalada e com o seu à-vontade secretamente retraído, o Marco é um actor cómico vintage, e nesta edição das Manobras tem mesmo uma cena de antologia, a gritar numa repartição feito português médio (só vendo). Entre a seriedade e a desbunda (de que parece sempre pedir desculpa), o Marco é um actor cómico psicológico, e só isso mereceria uma referência especial. O programa da SIC - e os textos que aí lhe dão - não lhe fazem justiça. Mas tenham atenção a este nome: Marco Horácio. Depois há o Manuel Marques, o mais conhecido da troupe, por ser a única novidade interessante na Família Herman dos últimos anos; o Manuel é um talento histriónico, excelente em drag e a cantar (de preferência disco sound), um jeito manhoso, desengonçado, quase circense. Fantástico. Depois há o Bruno Nogueira, uma espantosa revelação: o seu boneco «suburbano revoltado» é uma das grandes criações literárias das Produções (o que é dizer muito), uma personagem contra a pretensão, o kitsch, o quotidiano, armado de bastão de beisebol e pronto a partir tudo por uma ideia de autenticidade do mundo. É um «desmancha-prazeres», uma intromissão parodicamente brechtiana, absurda, mas quase ética. Como se o Grilo Falante do Pinóquio tivesse nascido na Brandoa. De chorar por mais. E depois há a Carla Salgueiro, mas sobre a Carla teria que escrever em verso, e vou poupar os leitores; direi apenas que a Carla passa em segundos da sedução à ingenuidade, que se sujeita com coragem à evidente exploração libidinosa da sua figura, exploração inevitavelmente geradora de comédia (mesmo que com agressividade e angústia em surdina), e que sua «Amália» a cantar as Ketchup é um dos grandes momentos do espectáculo. E depois há a Sandra Celas, a Jennifer Connelly portuguesa, que, com os seus olhos altamente perigosos, parece saída de um film noir clássico e ameaçador para a comédia sofisticada mas física (v. a sua «Ana Ousadias»); e depois há a Sofia Grillo, óptima a fazer de socialite e de um modo lânguido e alheado de se ser português; e finalmente há a Ana Ribeiro, num papel esforçado e mudo, verdadeira operária das Manobras. Entre os autores estão os meus amigos Nuno Artur Silva e Nuno Costa Santos. Gente do melhor, portanto. O humor deles é inclemente, atento, subtil, e sempre pronto a desmontar as misérias das nossas elites esparvoadas. Não vou escrever mais sobre este espectáculo em concreto, para não ser cruel para quem já não o pode ver. Mas as Manobras, felizmente, vão continuar. Portugal está mortalmente sério e sisudo. Precisamos urgentemente de gente assim. Que o Todo Poderoso guarde estes rapazes e raparigas. Ámen. PM
PRÉMIO DIANA SPENCER: O Prémio Diana Spencer para Melhor Performance Televisiva vai para... Saddam Hussein. A sua entrevista a Dan Rather foi fantástica: que homem sensato! que homem moderado! que homem dialogante! que homem de boa vontade! que democrata! Se calhar o Bernardino tem razão, e nós andamos todos intoxicados pela imprensa ocidental. A Coluna Infame vai reunir de emergência perante a emergência deste novo facto. Propomos desde já um novo slogan (com entoação): Bush ditador / o Saddam é um Senhor / Bush ditador / o Saddam é um Senhor / Bush ditador... PM
ESTES COMUNAS ESTÃO LOUCOS: Ouvir o menino Bernardino a defender tiranias é peanuts. Mas a dona Odete entrevistada e fotografada na CARAS é um bocadinho bizarro. PM
SOUND BYTES: A minha infância está ligada, entre tantas, tantas memórias, ao portunhol aos sacões do correspondente da RTP em Madrid. E os últimos anos não seriam os mesmo sem o sotaque de José Milhazes, correspondente da TSF em Moscobo. Sem falar de Sousa Veloso, as Doce e Renato Romariz. PM
TUDO SOBRE VICHY: Aos camaradas que nos chamam fascistas e ordinários, recomendamos o blog bilingue Merde in France. Se não gostam de álcool, nada como provar bagaço. PM
TODOS OS NOMES: Contam-me que duas pessoas, em situações diferentes, se referiram a mim nos últimos dias como sendo «de extrema-direita» ou «fascista». Perante o que se tem escrito neste blog, é pura perda de tempo contrariar essa ideia pateta. Mas eu percebo: para eles, do Manuel Alegre para a direita é tudo fascista. PM
POLÉMICAS: O Possidónio Cachapa criou um blog, sob a égide de Alberto Caeiro. E hoje refere-se à carta aberta do Presidente do PEN, que no DN responde a um texto de cariz semelhante assinado por mim e dado à estampa pelo mesmo jornal. Cito o final do post: O Pedro, com o seu temperamento de Cruzado volta e meia compra uma guerra. Mesmo minoritário, ainda assim a compra. Porque quer ser fiel aos seus princípios. E, sem ironias, folgo sempre em ver um homem recto a dizer o que pensa. Ou eu me engano muito ou ainda a procissão das polémicas, literárias e outras, vai no adro. Quero responder a este comentário apenas porque o tenho ouvido repetidas vezes nos últimos dias, em repetidas conversas, dito por várias pessoas. Esclareço: houve, por casualidade, uma semana em que saíram três polémicas assinadas por mim (dois textos e uma resposta a uma carta). Foi uma semana invulgar nesse aspecto, e não quero fazer disso o meu dia-a-dia. Fico contente que o Possidónio reconheça que o texto sobre o PEN foi um texto de consciência. O texto sobre o «Acontece», esse, tem motivado o regozijo privado de várias pessoas de esquerda que subscrevem o que nele se defende (digo isto apenas para que não se julgue que era uma campanha política direitista). Não tenho, de todo, espírito de «cruzado», mas realmente é-me indiferente estar em maioria ou em minoria seja em que assunto for. Não posso perceber qual a relevância intrínseca dessa contabilidade para quem tenha opiniões e convicções. A polémica em Portugal é ainda um bicho de sete cabeças, como se comprova pela hostilidade ou afastamento notório de certas pessoas face aos meus textos já citados (que falta de poder de encaixe...). Espero que a polémica seja um aspecto marginal no meu percurso, mas, para citar o Possidónio, não me importo de «comprar uma guerra» se achar que a guerra é justa. PM
quarta-feira, fevereiro 26, 2003
DIZ-ME COM QUEM ANDAS: Mais um nobre adversário da guerra, dos Estados Unidos e do Reino Unido. Ladies and gentlemen, Robert Mugabe. O «partido contra a guerra» tem amigos cada vez mais interessantes. PM
BLAIR: É importante falarmos aqui de Tony Blair. Se nos dissessem há uns anos que viríamos a elogiar o senhor, negaríamos com todos os dentes. Não lhe falta simpatia e outras qualidades menores, mas francamente para nós a Terceira Via sempre foi uma espécie de cerveja sem álcool, tabaco sem nicotina, sexo com preservativo. Ou seja, um produto de laboratório que, revelando um impasse de avaliação no socialismo democrático, acabava por não apresentar um ideário político coerente. Mas a situação específica da Inglaterra, com o desnorte suicida dos Tories, tinha-nos remetido ao silêncio de quem se conformava com o facto de que Blair seria líder enquanto quisesse, mesmo se com um spin work constante, mais portfolio que medidas, etc. Mas a posição de Tony Blair face à questão iraquiana fez-nos mudar de opinião. Não por Blair ser a favor da intervenção militar - outros líderes europeus têm a mesma posição - mas por assumir enérgica e frontalmente essa posição contra o seu partido, contra a opinião pública inglesa e, essencialmente, contra o seu futuro político (como se viu hoje no primeiro movimento de revolta parlamentar do Labour). Consciente da importância do eixo atlântico e do que Andrew Sullivan chama a «anglosfera», Blair tem sobretudo a percepção, que pensávamos impossível num homem da sua área política, de um perigo para o Ocidente. E defende o uso da força para que evitar esse perigo. É provável que esteja arrumado politicamente. Mas a verdade é que sempre foi um líder que governou por sondagem, e neste momento tem a coragem de não moldar a sua consciência às manifs e outro folclore. Blair pode ver a sua carreira encerrada por lutar por aquilo em que acredita. E isso é admirável. PM
PASSARAM DEZ ANOS: Um esclarecimento. Nem nós confundimos o Blog de Esquerda com o camarada Bernardino, nem os amarramos a este ou aquele regime tirânico «comunista». A minha singela interrogação tem a ver com os anos em que nos conhecemos todos, no século passado, e em que nomeadamente o Manel professava um horror visceral pelo esquerdismo folclórico. Confesso que foi um choque para mim vê-lo aderir ao Bloco, que não se pode negar que tem uma costela trendy tremenda. Por isso, nenhuma «insinuação perversa» da nossa parte. De resto, o Manel é testemunha do meu próprio percurso político, baseado há dez ou quinze anos atrás essencialmente no anti-comunismo militante, antes de descobrir outras leituras e outros horizontes. Se eu até escrevi uma vez - em letra de imprensa - que era nacionalista... Parvoíces dizemos todos. É óbvio que dos vinte para os trinta fiz uma certa viragem intelectual, e tenho observado que o Manel também fez a sua, mas sem que qualquer de nós tenha renegado o essencial. O marxismo, como já tive algumas oportunidades de escrever, é um universo intelectual fascinante, e não vejo mal nenhum em ser-se marxista (mas sem o «leninista», s.f.f.). Portanto, Manel, o meu post era uma dúvida apenas de localização, e nenhum inuendo maléfico. (Coisa diferente é o argumento dos «crimes totalitários que foram cometidos em nome do comunismo» - sublinhado meu - expressão reiterada pelos marxistas e que não nos parece muito honesta). We'll keep on talking. PM
SEMPRE A MESMA HISTÓRIA: Do blogger que cunhou o título A Puta da Subjectividade e que tem este site intermitente recebemos o seguinte mail:
Tornei-me num leitor diário do vosso blog. Não sou de direita mas não deixo de vos ler por vocês serem. Leio-o pelo seu raciocínio moderado e razão. Alguns encostos que vocês fazem à esquerda aproximam-se da minha opinião e fazem-me rir, claro, por serem tão óbvios e claros que ninguém dá por eles. Em relação a um post do Pedro Mexia: acho ridículo pedirem-vos para terem cuidado com o que escrevem. Mas também já faz parte daquela censura intríseca e invisível de esquerda que obriga os outros - os que não são de esquerda - a terem limites e cuidadinho quando abrem a boca. É triste, mas já vai sendo um hábito. E uma pequena história: Ando num curso de História que está preenchido por bloquistas. Não daqueles que passam a vida a fumar charros, que usam t-shirts de estrelinha vermelha ou que têm um terceiro braço chamado djambé, mas dos outros que vão de propósito para faculdade X reforçar a presença do BE. O meu curso, por azar, têm por lá dois pilares de toda esta estrutura. Depois existem os carneirinhos que, normalmente, vão desde os exemplos atrás referidos (os dos charros, etc) até aos lutadores dos direitos das criancinhas da Indonésia que vestem roupa da GAP. Isto dá azo a muitas histórias, como devem de imaginar, mas a mais recente surgiu dentro de uma discussão sobre o nome da ponte 25 de Abril (se o nome devia ter permanecido ou não), em que sai isto: «A ponte simbolizava para o Salazar o mesmo que as suásticas para o Hitler». Acho que nem é preciso dizer mais nada. Curso de História em que alunos pensam que o Mosteiro dos Jerónimos é do tempo do D. João V... (...) (André Santos)
Comentário: caro André, não nos dirigimos apenas a pessoas de «direita» (nem gostamos muito da palavra). Há leitores da Coluna na extrema-direita, na extrema-esquerda, e no espaço entre uma e outra, o que nos agrada imenso. Os únicos que aconselhamos a não virem são os cérebros lobotomizados pelo politicamente correcto, com horror à provocação, à ordinarice ocasional, ao terrorismo verbal, ao sentido de humor. Para esses há os livros do Prof. Porventura Sousa Santos. Quanto às universidades, reconhecemos o retrato que nos traça. Dos três Colunistas, sou o único que não mantêm nenhum vínculo à Academia, mas sei bem do que a casa gasta. A idealização da «juventude» deu nisto: na carneirada. Passei há dias pela Universidade Nova, e julguei-me por momentos no país dos sovietes, tais eram os murais, os slogans, a arregimentação quase compulsória. O pior, caro André, é que alguns deles vão escrever a História que a geração seguinte poderá vir a estudar. E é contra a falsificação histórica que também nos batemos. PM
Tornei-me num leitor diário do vosso blog. Não sou de direita mas não deixo de vos ler por vocês serem. Leio-o pelo seu raciocínio moderado e razão. Alguns encostos que vocês fazem à esquerda aproximam-se da minha opinião e fazem-me rir, claro, por serem tão óbvios e claros que ninguém dá por eles. Em relação a um post do Pedro Mexia: acho ridículo pedirem-vos para terem cuidado com o que escrevem. Mas também já faz parte daquela censura intríseca e invisível de esquerda que obriga os outros - os que não são de esquerda - a terem limites e cuidadinho quando abrem a boca. É triste, mas já vai sendo um hábito. E uma pequena história: Ando num curso de História que está preenchido por bloquistas. Não daqueles que passam a vida a fumar charros, que usam t-shirts de estrelinha vermelha ou que têm um terceiro braço chamado djambé, mas dos outros que vão de propósito para faculdade X reforçar a presença do BE. O meu curso, por azar, têm por lá dois pilares de toda esta estrutura. Depois existem os carneirinhos que, normalmente, vão desde os exemplos atrás referidos (os dos charros, etc) até aos lutadores dos direitos das criancinhas da Indonésia que vestem roupa da GAP. Isto dá azo a muitas histórias, como devem de imaginar, mas a mais recente surgiu dentro de uma discussão sobre o nome da ponte 25 de Abril (se o nome devia ter permanecido ou não), em que sai isto: «A ponte simbolizava para o Salazar o mesmo que as suásticas para o Hitler». Acho que nem é preciso dizer mais nada. Curso de História em que alunos pensam que o Mosteiro dos Jerónimos é do tempo do D. João V... (...) (André Santos)
Comentário: caro André, não nos dirigimos apenas a pessoas de «direita» (nem gostamos muito da palavra). Há leitores da Coluna na extrema-direita, na extrema-esquerda, e no espaço entre uma e outra, o que nos agrada imenso. Os únicos que aconselhamos a não virem são os cérebros lobotomizados pelo politicamente correcto, com horror à provocação, à ordinarice ocasional, ao terrorismo verbal, ao sentido de humor. Para esses há os livros do Prof. Porventura Sousa Santos. Quanto às universidades, reconhecemos o retrato que nos traça. Dos três Colunistas, sou o único que não mantêm nenhum vínculo à Academia, mas sei bem do que a casa gasta. A idealização da «juventude» deu nisto: na carneirada. Passei há dias pela Universidade Nova, e julguei-me por momentos no país dos sovietes, tais eram os murais, os slogans, a arregimentação quase compulsória. O pior, caro André, é que alguns deles vão escrever a História que a geração seguinte poderá vir a estudar. E é contra a falsificação histórica que também nos batemos. PM
AS OPÇÕES: Momentos depois do 11 de Setembro, Michael Walzer, um respeitável esquerdista americano, editor da Dissent, que nada tem a ver com a paranóia absurda de Chomskys e companhia, escreveu um artigo com o sugestivo título: Can there be a decent left? Walzer tinha percebido o abismo de indecência intelectual a que a esquerda chegara quanto justificava o terrorismo com os males da política externa americana. Mas a lucidez de Walzer não parou aí. Se lerem o último artigo de Walzer sobre o Iraque, encontrarão um texto politicamente muito importante. Walzer desmonta duas coisas: primeiro que a política anti-guerra não pode ser uma política de negação do inimigo. O inimigo existe e só os insensatos, irresponsáveis e alucinados da esquerda (aqueles, nomeadamente, que dizem que a Coreia do Norte é uma democracia) é que rejeitam este facto (nunca os conseguiremos convencer que as ideias têm consequências e que certas doenças intelectuais se pagam caro). Mas Walzer escreve ainda mais: insiste ele que, antes da guerra, há ainda espaço para insistir na contenção e progressivo desarmamento do Iraque. Como? Para Walzer, através do embargo, que não deve impedir o envio dos produtos necessários para a digna subsistência das populações civis; segundo, através das limitações ao espaço aéreo iraquiano; e, terceiro, através da continuação das inspecções para impedir que Saddam construa armas de destruição maciça, embora as inspecções só sejam possíveis porque há tropas americanas na vizinhança a garantir a sua efectividade. Chegamos então à essência do problema. Pergunta Walzer: uma guerra curta, um novo regime, um Iraque desmilitarizado, medicamentos e comida nos portos iraquianos, não será isto melhor do que um permanente sistema de coerção e controlo? E responde o teórico americano: talvez mas quem pode garantir que a guerra será curta e que as suas consequências serão limitadas? Ora, é exactamente isso: ninguém pode antever a duração da guerra ou os seus efeitos. E, no entanto, uma coisa parece certa: não há sistema de inspecções que se possa eternizar no tempo ou que vá contar, em permanência, com a cândida cooperação do Iraque. Por isso, é possível que, agora ou depois, apenas nos reste a guerra. PL
NÓS TAMBÉM: Um leitor do Público termina a sua carta ao director, publicada na edição de hoje, dizendo: há dias em que até do Reagan tenho saudades. Nós também. PL
CATÓLICOS: Sempre defendi que não seriam assuntos menores como o preservativo e quejandos que me fariam entrar em conflito aberto com a Igreja. Mas uma guerra é um problema muito sério. E nunca me senti tão distante da opinião católica maioritária como neste momento, nunca senti o catolicismo assim transformado numa piedadezinha de telespectadores, numa aguada chilra, sem força nem nobreza. Lembro-me de ler Nietzsche, na adolescência, e de pensar: este tipo tem razão em quase tudo o que diz sobre o catolicismo, mas podemos lutar para que as coisas não sejam assim tão lamentáveis na prática. Nesta grave situação, vejo como a debilidade do catolicismo foi entendida de forma tão impiedosa e verdadeira por Nietzsche. A minha fé, como é evidente, é um assunto privado que não depende de flutuações opinativas ou políticas, mas as minhas relações com uma Igreja que não defende o mundo livre começam a ficar irreparavelmente inquinadas. O catolicismo está desorientado, em fuga para a frente, num desequilíbrio emocional penoso, como se não tivesse atrás de si uma longa tradição intelectual e, no mais delicado dos assuntos actuais, decidisse governar por sondagem. É esta a religião de S. Paulo e de Sto. Agostinho? Esta caricatura débil, este animal acossado, atabalhoado, decadente? Depois da catastrófica gestão dos casos de pedofilia, a Igreja Católica afunda-se na sua incapacidade. Este é o texto de um católico. Mas este é o texto de alguém que não tem, neste momento, orgulho na sua Igreja. PM
OLHA QUE DOIS: Comprar o jornal O Dia não costuma estar na lista dos meus guilty pleasures. Mas hoje não sei o que me deu. Ou antes, sei: não resisti a ler o dr. Silva Resende (esse democrata) sobre o novo partido da «direita» (pausa para tossir). Não creio que O Dia tenha um site, para poder fazer um link, e não tenho à mão o jornal (o meu caixote estava a sentir-se nu), mas vale a pena dizer que o dr. Resende utiliza o habitual rancor dos perdedores da democracia para falar do «sistema», e para, implicitamente, saudar uma força nova (pardon the expression) que lave a Pátria da «Abrilada» e das indignidades de três décadas de parlamentarismo. Instrutivo. Felizmente, O Dia tem aproximadamente o mesmo número de leitores que Monteiro tem de assinaturas. PM
MEMÓRIA DE ADRIANO: Sempre fui um admirador de Adriano Moreira, pela sua distinção intelectual, pela sua lucidez política (que Salazar não quis entender), pela sua classe, por um entendimento nobre e quase senatorial da política. Há uns anos, não gostei de ver Pacheco Pereira a criticar Adriano, dizendo que era fácil ficar au dessous de la mêlée, sem sujar as mãos com o quotidiano, sem entrar em confrontos, e por isso de certo modo sem fazer política. Agora, num momento de crise, admito que Pacheco tinha razão. Não é admissível que numa grave crise internacional o Professor se escude num discurso emaranhado e oco: o seu último texto do DN era virtualmente incompreensível em termos de posição sobre o Iraque. É certo que a elegância de estilo nunca foi o forte de Adriano, sempre mais brilhante como conferencista do que como escritor político. Mas esta é a hora para se ser claro e inequívoco: ou se está pelo cumprimento da Resolução 1441 (pela força, se necessário) ou se deixa o Iraque continuar incumpridor e um perigo em potência. Para quem domina os dossiês internacionais como Adriano e sempre praticou uma lucidez aroniana, esta língua de trapos ao falar na mais importante crise dos anos recentes é inaceitável. Prof. Adriano: todos temos na memória a sua lucidez nos assuntos africanos, em tempo de crise. Agora que a crise é no Médio Oriente, por favor, não se exima de tomar posição. Acho que o deve a quem sempre o admirou e não percebe esta desconversa que tem praticado. PM
VENHAM MAIS CINCO: Mais um leitor que diz de sua justiça:
Tanta celeuma causou a entrevista do sr. Bernardino ao DN. Afinal de contas o sr. Bernardino é coerente com a sua fé, é um puro do seu partido. (...) O sr. Bernardino diz que tem dúvidas se a Coreia Norte não é uma democracia. Afinal ele é humano, tem dúvidas. Há por aí quem não tenha dúvidas de que os EUA não são uma democracia (Prof. Freitas), há quem não tenha dúvidas sobre a continuação da sua carreira politica (Mário Soares) e pense numa candidatura à presidência, há quem não tenha dúvidas que os Talibãs eram as forças progressistas que faziam frente ao imperialismo (Prof. Rosas ), há ainda quem não tenha dúvidas de que os atentados de 11 de Setembro foram um complot da CIA (Diana Andringa), há quem não tenha dúvidas que a França é ainda uma super-potência (Chirac)... Enfim, com dúvidas ou sem dúvidas a esquerdalhada estás sempre pronta a alinhar com os verdadeiros democratas (Fidel, Milosevic, Bin Laden, Saddam Hussein, Robert Mugabe) desde que estes combatam o imperialismo yankee. (Jorge Bento).
PM
Tanta celeuma causou a entrevista do sr. Bernardino ao DN. Afinal de contas o sr. Bernardino é coerente com a sua fé, é um puro do seu partido. (...) O sr. Bernardino diz que tem dúvidas se a Coreia Norte não é uma democracia. Afinal ele é humano, tem dúvidas. Há por aí quem não tenha dúvidas de que os EUA não são uma democracia (Prof. Freitas), há quem não tenha dúvidas sobre a continuação da sua carreira politica (Mário Soares) e pense numa candidatura à presidência, há quem não tenha dúvidas que os Talibãs eram as forças progressistas que faziam frente ao imperialismo (Prof. Rosas ), há ainda quem não tenha dúvidas de que os atentados de 11 de Setembro foram um complot da CIA (Diana Andringa), há quem não tenha dúvidas que a França é ainda uma super-potência (Chirac)... Enfim, com dúvidas ou sem dúvidas a esquerdalhada estás sempre pronta a alinhar com os verdadeiros democratas (Fidel, Milosevic, Bin Laden, Saddam Hussein, Robert Mugabe) desde que estes combatam o imperialismo yankee. (Jorge Bento).
PM
É SÓ LITERATURA: Mais um para a lista. O prémio inglês Book of the Year foi para...Michael Moore, e o seu panfleto manhoso Stupid White Men. Concorrentes preteridos? Entre outros, Ian Mc Ewan, com Atonement, uma obra-prima como não acontece todos os anos. É só literatura... PM
terça-feira, fevereiro 25, 2003
COM CATÓLICOS ASSIM, VENHA O BLOG DE ESQUERDA: O Espigas continua a embirrar connosco. Muito bem. Católicos assim aturo eu desde pequenino. Mas repare-se com que fineza intelectual rebate (?) os argumentos de, entre outros, Michael Novak, um dos mais acutilantes pensadores católicos actuais, que o João Noronha cita aprovadoramente no PÚBLICO de hoje. Caro Nuno Centeio: olhe que o catolicismo não é apenas uma forma de pietismo naif. Houve - e há - quem tenha reflectido séria e contraditoriamente sobre as questões filosóficas e éticas que o cristianismo levanta. E não é a sua atitude leviana de grupo paroquial bem-intencionado que vai destruir esse edifício. PM
LOOK AWAY, PETER: Segundo as minhas tias, não se diz bem de uma pessoa à frente dela, e por isso este post estará escrito em tinta invisível para o Pedro Lomba, que não detectará uma só frase do texto. Mas sinto que devo vir a terreiro esclarecer um ponto sobre o Pedro. Alguns leitores referem-se ao segundo Infame (por ordem alfabética do primeiro nome), como «o outro», querendo com isso dizer que o João e eu próprio, por boas e más razões, ganhámos uma certa visibilidade num certo meio (e poucos amigos, acrescente-se). Ora esse raciocínio é erróneo e injusto. Não apenas porque o Pedro escreve regularmente no DNa - recensões sérias sobre política e recensões apaixonadas sobre literatura - mas também porque esforçadamente tenta ensinar a Gloriosa Revolução a alunos da Faculdade de Direito de Lisboa mais interessados noutras glórias, tem uma vida profissional cheia e competente que envergonha a ociosidade intermitente dos outros dois Infames, dá uma ajuda para a construçáo do edifício legislativo que nos governa e, se tudo correr como tem de correr, espantará o país com eruditas e impecáveis dissertações sobre as Forças Armadas em Portugal ou o Romantismo Político. Sobre o amigo direi o essencial: que me parece o mais próximo do que tenho encontrado da possibilidade de pôr as mãos no fogo por alguém. O Pedro é um apaixonado discreto, um gentleman de angústias caladas, alguém cuja integridade moral tenho podido constatar, com admiração, ao longo dos anos. Por isso, caros amigos, é errado falar do Pedro como «o outro». O João e eu somos instrumentos mais ruidosos, mas dos três Infames é o Pedro o que mais seriamente desempenha a partitura. PM
GRAFOMANIA: Ao fim da manhã e ao fundo da minha rua, sinto uma falta, reviro os bolsos: não trago caneta. Não será grave, com certeza, a vinte metros está uma provindencial lojinha de material de escritório onde me posso abastecer abundantemente, e posso sempre dar um pulo a casa. Entretanto, buscas mais intensas descobrem uma cladestina esferográfica azul aninhada num bolso interior. Mas aqueles segundos foram, estranhamente, de angústia. Eis-me no mundo sem caneta. Eis-me no mundo com caneta. É uma doença mortal, a grafomania. PM
A IGREJA E A GUERRA: Atenção ao texto do blogger João Noronha publicado hoje no PÚBLICO. Concordamos, é claro. PL
E AGORA: Ouço na perfumaria apaixonado diálogo entre duas raparigas sobre a natureza de um perfume. Floral, diz uma. Cítrico, diz a outra. A língua portuguesa é uma maravilha. PL
DE VOLTA À GUERRA: Apreciámos a posição dos não-alinhados. Este movimento de equidistância e terceira via entre o Pentágono e Bagdad, fez uma declaração pública condenando Israel e insultando o Ocidente por pretender dominar o mundo. Chamar a isto não-alinhados é, com certeza, uma figura de estilo. PL
PRÉMIO PASCAL: O prémio Pascal do dia vai para o conspícuo Óscar Mascarenhas, o director do jornal do Fundão. Num subtilíssimo e inalcançável raciocínio, Mascarenhas disse ontem: «os jornalistas mais bem pagos são os que cometem mais infracções éticas». Mascarenhas conhece bem a doutrina: o dinheiro conduz ao pecado. PL
O OUTRO: O José Mário Silva, no Blog de Esquerda, teve uma dúvida metafísica. Pergunta ele por que razão o meu nome não aparece na lista de personalidades, publicada pelo Independente, que subscreveu o documento de apoio ao manifesto dos 8. Conforta-me que o Zé Mário se preocupe com a minha efectiva adesão a movimentos que, no essencial, dizem o que penso. Aqui, na Coluna, onde escrevo ao pé de dois pesos-pesados, estou habituado a ser o outro. Sou, é verdade, pouco dado a manifestos e a reuniões, com excepção daqueles que escrevo e daquelas que dirijo. Mas não é o caso porque acho que o documento não tem nada de que discorde ou considere insuficientemente fundamentado. Por isso, informo o Zé Mário que o outro não aparece na referida lista porque ainda não assinou o referido documento. Assim que se livrar de outros afazeres, fá-lo-á certamente com gosto. Reparaste Zé Mário, por certo, que a lista continua. PL
TO MAIL OR NOT TO MAIL: Paradoxo: temos cada vez mais leitores, mas os mails desceram a pique. A redacção reuniu-se e descobriu a causa da penúria: as nossas constantes referências à gramática, à sintaxe, ao estilo. Meu Deus, não exageremos, só estávamos a pedir correspondência legível, não é razão para se acanharem assim. Além do mais, aqui na Coluna não há nenhum Flaubert, toda a gente tem tropeções de linguagem, frases mal formuladas, vocabulário desleixado, e uma infindável lista de infelicidades com a língua. Não se melindrem, por favor. Escrevam, boys and girls. Estamos cá para isso. PM
À ATENÇÃO DO SENHOR HITCHENS: O «partido da paz» até cita, contra a guerra, Kissinger. Sim: Kissinger. A falta de vergonha desta gente não tem limites. PM
SOIGNE TA DROITE: Alertamos o Blog de Esquerda, e demais incomodados com a imprensa conservadora, para o crescimento do «partido da guerra» (impagável, esta expressão) nos jornais de Sábado. Onde está O Diário quando precisávamos tanto dele? PM
MAIS UM FALCÃO: A causa do belicismo desenfreado ganhou um novo adepto. Um conhecido falcão, inimigo dos Direitos Humanos e da Paz. Defende esta criatura tenebrosa que o uso da violência pode solucionar males maiores. Não sabe obviamente do que fala, esse tal Ramos Horta.
War for Peace? It Worked in My Country
By JOSÉ RAMOS-HORTA
DILI, East Timor
I often find myself counting how many of us are left in this world. One recent morning my two surviving brothers and I had coffee together. And I found myself counting again. We were seven brothers and five sisters, another large family in this tiny Catholic country.
One brother died when he was a baby. Antonio, our oldest brother, died in 1992 of lack of medical care. Three other siblings were murdered in our country's long conflict with Indonesia. One, a younger sister, Maria Ortencia, died on Dec. 19, 1978, killed by a rocket fired from a OV-10 Bronco aircraft, which the United States had sold to Indonesia. She was buried on a majestic mountaintop and her grave was tended by the humble people of the area for 20 years.
Early in September of last year, I went through the heart-wrenching process of unearthing the improvised grave of our sister, whom I last saw when she was 18. As her body was exhumed, I noticed that the back of her head and one side of her face had been blown off. She must have died instantly. We reburied our sister in the cemetery in the capital, Dili. Two other siblings who were killed, our brothers Nuno and Guilherme, were executed by Indonesian soldiers in 1977. With little information on the area where they were killed and disposed of, we have no hope of recovering their bodies for a dignified burial.
There is hardly a family in my country that has not lost a loved one. Many families were entirely wiped out during the decades of occupation by Indonesia and the war of resistance against it. The United States and other Western nations contributed to this tragedy. Some bear a direct responsibility because they helped Indonesia by providing military aid. Others were accomplices through indifference and silence. But all redeemed themselves. In 1999, a global peacekeeping force helped East Timor secure its independence and protect its people. It is now a free nation.
But I still acutely remember the suffering and misery brought about by war. It would certainly be a better world if war were not necessary. Yet I also remember the desperation and anger I felt when the rest of the world chose to ignore the tragedy that was drowning my people. We begged a foreign power to free us from oppression, by force if necessary.
So I follow with some consternation the debate on Iraq in the United Nations Security Council and in NATO. I am unimpressed by the grandstanding of certain European leaders. Their actions undermine the only truly effective means of pressure on the Iraqi dictator: the threat of the use of force.
Critics of the United States give no credit to the Bush administration's aggressive strategy, even though it is the real reason that Iraq has allowed weapons inspectors to return and why Baghdad is cooperating a bit more, if it indeed is at all.
The antiwar demonstrations are truly noble. I know that differences of opinion and public debate over issues like war and peace are vital. We enjoy the right to demonstrate and express opinions today because East Timor is an independent democracy — something we didn't have during a 25-year reign of terror. Fortunately for all of us, the age of globalization has meant that citizens have a greater say in almost every major issue.
But if the antiwar movement dissuades the United States and its allies from going to war with Iraq, it will have contributed to the peace of the dead. Saddam Hussein will emerge victorious and ever more defiant. What has been accomplished so far will unravel. Containment is doomed to fail. We cannot forget that despots protected by their own elaborate security apparatus are still able to make decisions.
Saddam Hussein has dragged his people into at least two wars. He has used chemical weapons on them. He has killed hundreds of thousands of people and tortured and oppressed countless others. So why, in all of these demonstrations, did I not see one single banner or hear one speech calling for the end of human rights abuses in Iraq, the removal of the dictator and freedom for the Iraqis and the Kurdish people? If we are going to demonstrate and exert pressure, shouldn't it be focused on the real villain, with the goal of getting him to surrender his weapons of mass destruction and resign from power? To neglect this reality, in favor of simplistic and irrational anti-Americanism, is obfuscating the true debate on war and peace.
I agree that the Bush administration must give more time to the weapons inspectors to fulfill their mandate. The United States is an unchallenged world power and will survive its enemies. It can afford to be a little more patient. Kofi Annan, the secretary general of the United Nations, has proved himself to be a strong mediator and no friend of dictators. He and a group of world leaders should use this time to persuade Saddam Hussein to resign and go into exile. In turn, Saddam Hussein could be credited with preventing another war and sparing his people. But even this approach will not work without the continued threat of force.
Abandoning such a threat would be perilous. Yes, the antiwar movement would be able to claim its own victory in preventing a war. But it would have to accept that it also helped keep a ruthless dictator in power and explain itself to the tens of thousands of his victims.
History has shown that the use of force is often the necessary price of liberation. A respected Kosovar intellectual once told me how he felt when the world finally interceded in his country: "I am a pacifist. But I was happy, I felt liberated, when I saw NATO bombs falling. PM
War for Peace? It Worked in My Country
By JOSÉ RAMOS-HORTA
DILI, East Timor
I often find myself counting how many of us are left in this world. One recent morning my two surviving brothers and I had coffee together. And I found myself counting again. We were seven brothers and five sisters, another large family in this tiny Catholic country.
One brother died when he was a baby. Antonio, our oldest brother, died in 1992 of lack of medical care. Three other siblings were murdered in our country's long conflict with Indonesia. One, a younger sister, Maria Ortencia, died on Dec. 19, 1978, killed by a rocket fired from a OV-10 Bronco aircraft, which the United States had sold to Indonesia. She was buried on a majestic mountaintop and her grave was tended by the humble people of the area for 20 years.
Early in September of last year, I went through the heart-wrenching process of unearthing the improvised grave of our sister, whom I last saw when she was 18. As her body was exhumed, I noticed that the back of her head and one side of her face had been blown off. She must have died instantly. We reburied our sister in the cemetery in the capital, Dili. Two other siblings who were killed, our brothers Nuno and Guilherme, were executed by Indonesian soldiers in 1977. With little information on the area where they were killed and disposed of, we have no hope of recovering their bodies for a dignified burial.
There is hardly a family in my country that has not lost a loved one. Many families were entirely wiped out during the decades of occupation by Indonesia and the war of resistance against it. The United States and other Western nations contributed to this tragedy. Some bear a direct responsibility because they helped Indonesia by providing military aid. Others were accomplices through indifference and silence. But all redeemed themselves. In 1999, a global peacekeeping force helped East Timor secure its independence and protect its people. It is now a free nation.
But I still acutely remember the suffering and misery brought about by war. It would certainly be a better world if war were not necessary. Yet I also remember the desperation and anger I felt when the rest of the world chose to ignore the tragedy that was drowning my people. We begged a foreign power to free us from oppression, by force if necessary.
So I follow with some consternation the debate on Iraq in the United Nations Security Council and in NATO. I am unimpressed by the grandstanding of certain European leaders. Their actions undermine the only truly effective means of pressure on the Iraqi dictator: the threat of the use of force.
Critics of the United States give no credit to the Bush administration's aggressive strategy, even though it is the real reason that Iraq has allowed weapons inspectors to return and why Baghdad is cooperating a bit more, if it indeed is at all.
The antiwar demonstrations are truly noble. I know that differences of opinion and public debate over issues like war and peace are vital. We enjoy the right to demonstrate and express opinions today because East Timor is an independent democracy — something we didn't have during a 25-year reign of terror. Fortunately for all of us, the age of globalization has meant that citizens have a greater say in almost every major issue.
But if the antiwar movement dissuades the United States and its allies from going to war with Iraq, it will have contributed to the peace of the dead. Saddam Hussein will emerge victorious and ever more defiant. What has been accomplished so far will unravel. Containment is doomed to fail. We cannot forget that despots protected by their own elaborate security apparatus are still able to make decisions.
Saddam Hussein has dragged his people into at least two wars. He has used chemical weapons on them. He has killed hundreds of thousands of people and tortured and oppressed countless others. So why, in all of these demonstrations, did I not see one single banner or hear one speech calling for the end of human rights abuses in Iraq, the removal of the dictator and freedom for the Iraqis and the Kurdish people? If we are going to demonstrate and exert pressure, shouldn't it be focused on the real villain, with the goal of getting him to surrender his weapons of mass destruction and resign from power? To neglect this reality, in favor of simplistic and irrational anti-Americanism, is obfuscating the true debate on war and peace.
I agree that the Bush administration must give more time to the weapons inspectors to fulfill their mandate. The United States is an unchallenged world power and will survive its enemies. It can afford to be a little more patient. Kofi Annan, the secretary general of the United Nations, has proved himself to be a strong mediator and no friend of dictators. He and a group of world leaders should use this time to persuade Saddam Hussein to resign and go into exile. In turn, Saddam Hussein could be credited with preventing another war and sparing his people. But even this approach will not work without the continued threat of force.
Abandoning such a threat would be perilous. Yes, the antiwar movement would be able to claim its own victory in preventing a war. But it would have to accept that it also helped keep a ruthless dictator in power and explain itself to the tens of thousands of his victims.
History has shown that the use of force is often the necessary price of liberation. A respected Kosovar intellectual once told me how he felt when the world finally interceded in his country: "I am a pacifist. But I was happy, I felt liberated, when I saw NATO bombs falling. PM
ONE FROM THE HEART: Grande presença nas discussões e na blogosfera da entrevista do delfim Bernardino ao DN de ontem. Percebemos o sururu («pururu», como costumava dizer Herman), mas não lemos nenhuma novidade na entrevista. Centralismo democrático? Discurso estalinista? Defesa de Cuba e da Coreia? Mas isso é o PCP. Que Bernardino se tenha esquecido por momentos do double talking, é quase comovente. Mas nós na Coluna sabemos bem o que é o partido de Cunhal. Um partido tiranófilo, autoritário, dogmático, fossilizado, irreformável. É certo que chegar ao ponto de confessar a um jornal nacional uma simpatia descabelada pela Coreia do Norte pode parecer inusitado; mas o rapaz é novo, e na juventude ainda se cultiva a sinceridade. Por sabermos bem do que gasta a casa PCP é que não aceitamos de cara risonha que os «moderados» desçam a rua ao lado destes fervorosos inimigos da democracia representativa e das liberdades. São estes os organizadores da manif de Lisboa. São estes os defensores da «paz». PM
PRECISÃO: O endereço www.colunainfame.blogspot.com é mesmo uma das formas de escrever o endereço deste vosso albergue direitista. Ora experimentem. Quanto ao «conservador mas actualizado diariamente», para além do jogo de palavras evidente, é uma óbvia referência à esmagadora maioria dos blogs, que realmente não são actualizados diariamente, sobretudo os conservadores. O que é perfeitamente entendível. Nós, de dia, estamos entretidos a explorar a classe operária. PM
O PASQUIM AO PÉ DA PORTUGÁLIA: O Blog de Esquerda está com urticária por causa dos artigos do Independente, dos colunistas do Independente, do manifesto do Independente, das famílias que se associam ao dito (a vossa família também desceu a Baixa, amigos, certo?), e assim por diante. Um jornal inócuo não mereceria tantos posts, com certeza. Gostamos de saber que estamos a incomodar. PM
(MORE THAN) THREE IS A CROWD: Anunciámos há dias que tinham cessado por agora as polémicas com o Blog de Esquerda (por pressão da «opinião pública» e cansaço de yours truly). Era bom, era... O Manel repôs no Blog o contexto de um poema que tresli, e eu aqui vim prontamente reconhecer o erro. Nada de mais. Mas aproveitei para umas caneladas em B.B., e claro, o Manel veio em defesa do mestre. As considerações do Manel sobre Brecht, sem dúvida bem articuladas e informadamente defendidas (não esperaria outra coisa), incorrem num persistente vício de pensamento em que o nosso amigo parisiense se compraz: o duplo critério. Por duplo critério entendo a consideração de que não há uma regra ética dos comportamentos (políticos, nomeadamente), mas que uma mesma acção depende, na sua interpretação e valor, de quem for o seu agente. Não é sequer psicologismo ou intencionalidade, é o determinismo quase clubista de que tudo o que o meu clube fizer é bem feito (e se mal feito é culpa dos outros) enquanto tudo o que o clube adversário faz é desmontável, criticável, pernicioso. Entendam-me: sou o primeiro a detestar a linguagem futebolística na política, mas é disso que aqui se trata: de clubite, e da respectiva cegueira (voluntária?). Para mim - e posso falar pelos três Infames - certas circunstâncias da política, sobretudo as extremas - uma ditadura, um massacre, uma traição - são categorias integradas certamente em circunstâncias, mas de carácter essencialmente objectivo, independentes de quem as praticou e do que defendem esses que as praticaram. O exemplo maior é o terrorismo, que nos é sempre detestável, seja de «direita» ou de «esquerda» (e é duvidosa mesmo a pertinência dessas categorias neste caso). O Manel - e nisso é um caso felizmente raro, mesmo na esquerda - pretende julgar as acções políticas tendo em conta quem as pratica e as ideias que esses agentes ou grupos têm. Por isso, para o Manel, as multidões nazis ou fascistas são demenciais manipulações de massa (estamos de acordo), mas as multidões antiglobalização ou anti-guerra do Iraque são momentos espontâneos e racionais. Sim, leram bem, racionais. Extraordinário. Claro que no meu post não pretendi insinuar que Brecht seria capaz de pôr no mesmo raciocínio as manif «de direita» e as manifs de «esquerda». Não sendo fiel de missa brechtiana dominical, já parti algumas lombadas dos seus volumes. Por isso sei bem que Brecht - o único escritor de esquerda, como brincou Godard - seria incapaz de tal equanimidade. Mas quero dizer ao Manel que nós aqui na Coluna não lhe(s) seguimos a pisadas nesse ponto. Não usamos duplicidade de critérios para caracterizar regimes ou eventos políticos. Não apoiamos nenhuma ditadura, nenhum grupo terrorista, e reservamo-nos o direito de julgar caso a caso as intervenções violentas das democracias. O mesmo não podemos dizer da barricada do Manel, sempre pronta a desculpar - que digo, a defender - a impoluta ETA ou a libérrima Cuba, para não citarmos outros grupos e regimes que, francamente, já nem sabemos se apoiam ou não (porque mudar do comunismo para o esquerdismo significa mudar os móveis que se têm em casa, e só nos lembramos da casa antiga). E para que fique claro: aqui na Coluna estamos de acordo com Brecht num ponto, que é reconhecer que o espectáculo, e em particular o espectáculo de massas (como as manifs) produz alienação. É por isso que desprezamos a Rua, mesmo quando a Rua (e há casos) está do mesmo lado que nós. Essa é a diferença, suponho, entre individualistas (como nós) e colectivistas (como os blogistas de esquerda). E agora, a conselho do Manel, vou dormir. PM
segunda-feira, fevereiro 24, 2003
BURKE: Reservei o fim-de-semana para dois discursos de Burke. Um, escrito em defesa da conciliação com as colónias americanas; outro a respeito do impeachment movido contra Warren Hastings. Os dois são peças notáveis de oratória, argumentação e luminosa teoria política. Como tudo seria diferentes se eles tivessem lido este valoroso irlandês. PL
OS GRANDES: Quando morreu JCM, perguntei aqui quem nos restava. Agora que morreu Blanchot (depois de Cioran ou Klossowski), quem resta à França? Julien Gracq, e pouco mais. PM
VICHYSSOISES: Os blogs americanos não largam Vichy: What do you call a Frenchman advancing on Baghdad? A salesman. E aqui vejam porque é que Chirac não acredita nas provas documentais de que Michael Jackson fez várias plásticas. PM
MAURICE BLANCHOT, I.M.: Morreu Blanchot. Não estou absolutamente certo do que isso quer dizer. A sua inexistência biográfica - para nós, isto é - fazia dele um pré-póstumo (para citar Musil). Uma fábrica de textos ou uma fábrica de silêncios (para Blanchot, como para Celan, a fronteira entre a escrita e o silêncio era imprecisa). Conheço mal a sua ficção, que no entanto me parece ocupar um espaço singular, como o de - digamos - Ramuz ou Raymond Roussel. Mas os seus ensaios e fragmentos são importantes para mim, porque reinventam uma metafísica do texto em tempo de agnosticismo ou pior. Uma metafísica da própria literatura, bem entendido, dos seus limites e impossibilidades. Blanchot, entre outros méritos, trouxe o ensaio para um patamar ontológico; isto é, não era um teórico, mas essencialmente um oráculo, como se habitasse os textos em vez de os dissecar. É certo que isso transporta por vezes a sua obra para o limiar do insustentável - como as últimas obras de Beckett ou de, precisamente, Celan - mas também o fará intocado quando outros ensaístas virem esgotados os efeitos da moda. Blanchot morreu, morreu quase sem fotografias (como o admiro por isso), morreu para de certo modo ser enterrado nos seus textos, onde sempre tinha vivido como fantasma, mais do que como gente. Há um passo do seu belo texto sobre Foucault que agora me acode à memória: diz Blanchot que em pleno Maio de 68 viu Foucault na Sorbonne; e depois, num parêntesis, acrescenta: (mais on me dit qu'il n'était pas là). Dizem as notícias que Blanchot morreu. Mas ele não estava lá. PM
ESQUERDA: Tenho conhecido muita gente que se diz de esquerda por um único motivo: acham que é na esquerda que estão as boas pessoas. Ignoram os muitos esquerdistas que pisam o próximo nas horas de ponta para entrarem primeiro no metro. PL
ENTREVISTA A MONTEIRO: A Coluna conseguiu uma curta entrevista com Manuel Monteiro que passamos a reproduzir.
Dr. Manuel Monteiro, porquê esta saída?
Simples. O PP tem um líder, tem ministros, tem deputados, tem militantes. Mas o PP não me tem a mim. E eu acho que deve ter.
Mas o senhor é um opositor à actual liderança de Paulo Portas.
Sim, é verdade. Eu não concordo com o actual líder. São públicas as nossas divergências. Mas o que eu quero é uma carreira política. E a actual liderança impede-me de prosseguir essa carreira. Não sou bem-vindo.
Por favor, explique-se melhor.
Quer dizer, eu acho que o país precisa de mim. Precisa das minhas ideias, da minha vibração, do meu dedo ao alto. Desde que pequeno que digo que hei-de conseguir. Se não no CDS, há-de ser noutro lado.
Mas os militantes, dr. Monteiro. Convirá que parece que o senhor está a fugir dos militantes.
Quais militantes? Um partido não precisa de militantes. Um partido precisa de gente que traga uma alma nova à política. O meu partido, precisamente, não terá militantes. Ter-me-á a mim. A mim e aos meus. A minha mulher e os meus filhos vão ser os militantes nºos 2 e seguintes.
Dê-nos algumas ideias do seu programa.
Simples. Acredito em Portugal, não acredito no sistema. Acredito nos Lusíadas. Acredito nos campos e nos barcos portugueses. E nos nossos mercados. E nas nossas peixeiras. Acredito nisto tudo mas não acredito no sistema. PL
Dr. Manuel Monteiro, porquê esta saída?
Simples. O PP tem um líder, tem ministros, tem deputados, tem militantes. Mas o PP não me tem a mim. E eu acho que deve ter.
Mas o senhor é um opositor à actual liderança de Paulo Portas.
Sim, é verdade. Eu não concordo com o actual líder. São públicas as nossas divergências. Mas o que eu quero é uma carreira política. E a actual liderança impede-me de prosseguir essa carreira. Não sou bem-vindo.
Por favor, explique-se melhor.
Quer dizer, eu acho que o país precisa de mim. Precisa das minhas ideias, da minha vibração, do meu dedo ao alto. Desde que pequeno que digo que hei-de conseguir. Se não no CDS, há-de ser noutro lado.
Mas os militantes, dr. Monteiro. Convirá que parece que o senhor está a fugir dos militantes.
Quais militantes? Um partido não precisa de militantes. Um partido precisa de gente que traga uma alma nova à política. O meu partido, precisamente, não terá militantes. Ter-me-á a mim. A mim e aos meus. A minha mulher e os meus filhos vão ser os militantes nºos 2 e seguintes.
Dê-nos algumas ideias do seu programa.
Simples. Acredito em Portugal, não acredito no sistema. Acredito nos Lusíadas. Acredito nos campos e nos barcos portugueses. E nos nossos mercados. E nas nossas peixeiras. Acredito nisto tudo mas não acredito no sistema. PL
MONTEIRO: Há uns anos, o Independente trazia uma imagem de uma agricultora alentejana, carcomida pela velhice. Em baixo, lia-se a seguinte legenda: monteiristas agitam-se. É exactamente isto que nos parece o regresso de Manuel Monteiro à vida política. PL
«O SR. BISPO SÓ FALA DA GUERRA»: Já ninguém se ocupa da pedofilia na Igreja. A estratégia funcionou. PM
LOOK WHO'S TALKING: É normal que os intelectuais - Umberto Eco ou o Blog de Esquerda - digam que Bush é «estúpido». Mas muitas pessoas que conheço e que dizem que Bush é «estúpido» seriam bem prudentes se não puxassem pelo tema «inteligência». PM
OLHA QUEM FALA: O Prof. Freitas do Amaral disse que a União Europeia não precisa do Reino Unido para nada. Mas alguém precisará do Prof. Freitas para alguma coisa? PM
A CABEÇA SERVE PARA USAR CHAPÉU? Quando um homem competente e inteligente como Manuel Villaverde Cabral escreve que as democracias só serão dignas desse nome quando se desarmarem, estamos perante a abdicação de pensar. Quando as democracias se desarmarem deixarão de ser democracias, dominadas de imediato pelas não-democracias que, essas, nunca se desarmam. PM
ORWELL REVISITADO, POR NELSON ASCHER: Todos os países europeus são europeus, mas a França é mais europeia que os outros.
O PONTO G: Na falta de um Nuno Rogeiro aqui na Coluna, não comentamos assuntos estritamente militares. Mas temos que saudar uma novidade no reequipamento das nossas forças armadas: acabou-se a G3. A mitologia, qualquer dia, vai precisar de notas de rodapé. Como acontece, a prazo, a todas as mitologias. PM
AMERIKA: Diz-me um amigo (de esquerda moderada): O que me irrita na esquerda é que falam nos Estados Unidos como certos cinéfilos falam de Hollywood, como se tudo fosse uma porcaria. Nem mais. PM
A RUA CONTINUA: Leiam no Blog de Esquerda o entusiasmo com a Rua, e a ideia de que a Rua vai continuar em próximas lutas, que nada têm a ver com a guerra. Sempre aqui dissemos que não era a «paz» que estava em causa, nem sequer ser «contra a guerra», mas de um regresso ao esquerdismo festivo e inimigo da democracia representativa e «burguesa». Diziam que exagerávamos? Leiam os bloguistas: quando a esquerda explica tão candidamente porque está esfusiante com a Rua, nós não precisamos de explicar aqui porque estamos de pé atrás. PM
domingo, fevereiro 23, 2003
INDEPENDENTES: Queremos evidentemente dar as boas-vindas aos novos leitores, aqui trazidos pela publicidade que o Paulo Pinto Mascarenhas gentilmente nos fez na última edição do Indy. A Coluna Infame é um blog conservador, mantido por João Pereira Coutinho, Pedro Lomba e Pedro Mexia. Agradecemos comentários, sugestões, e a correcção de erros de facto ou de lapsos ortográficos. Esta semana pedimos aos leitores que nos enviem respostas à seguinte pergunta: quem são os grandes (artistas) que ainda nos restam? Correspondência para colunainfame@hotmail.com. Os textos, salvo menção em contrário, são susceptíveis de publicação aqui na Coluna. Digam coisas. PM
UM 25 DE NOVEMBRO CULTURAL: Rui Ramos é um dos raros historiadores portugueses que não teve o disco formatado, isto é, que não engoliu esquerdismo com a papa Cerelac. É também um dos mais enciclopédicos e brilhantes. Leiam aqui o seu depoimento de hoje no PÚBLICO. O mofo não vai durar para sempre. PM
LOVE IS IN THE AIR: A nova moeda teve nos nossos concidadãos efeitos sexuais inesperados e magníficos. Na minha rua - velhas inclusive - nunca se falou tanto em «eros». PM
MAIS UM ESFORÇO: Manuel Monteiro vai formar um novo partido. A notícia foi recebida com apreensão na sede do POUS. PM
TOP OF THE POPS Os renascidos e fabulosos Go Betweens vêm a Lisboa. Não quero parecer que tenho comissão, mas a verdade é: tudo às FNAC's comprar bilhetes. O mundo não anda por aí cheio de songwriters perfeitos. PM
EM VEZ DOS TELEJORNAIS: Já que estamos em maré de artes, uma sugestão: não percam o «Artes e Letras» de hoje (RTP 2, 20:30) sobre Giacometti, o artista que sem conhecer Kate Moss inventou a escultura anoréxica. PM
ANTES O SAMUEL QUE O BERTOLDO: O F.F. também é autor da tradução de Primeiro Amor, a narrativa de Beckett encenada por (e com) Miguel Borges (o actor mais ameaçadoramente corporal que por aí anda). O livro foi publicado pela Âmbar, e os leitores de Lisboa e Porto hão-de saber que as FNAC's estão abertas aos Domingos. PM
UNIDOS: O Francisco Frazão, autor do post a que nos referimos, está ligado aos Artistas Unidos, e os Artistas Unidos são um dos poucos motivos de júbilo da nossa cultura, nomeadamente a teatral. Os A.U. têm andado, como os leitores saberão, de casa às costas, vítimas de um comportamento errático dos responsáveis da cultura, quer camarários quer governamentais. É pena. Não somos, ao contrário do que alguns nos queriam, adeptos da «revista» e dos ranchos folclóricos. Na Coluna gostamos imenso, por exemplo, de Pinter (do dramaturgo) e achamos excelente que se possa ver o novo teatro europeu em Lisboa. Sabemos - é evidentíssimo - que os A.U. são uma companhia politicamente alinhada, e do lado mais longínquo da nossa barricada. Mas - e aqui voltamos ao assunto - assim como há uma suspension of disbelief (desculpa lá, Bertolt), também julgamos que em certos momentos a arte precisa de suspension of beliefs, isto é, de uma comunhão em valores estéticos mais flexíveis do que a nossa personalidade ideológica quotidiana. Não sendo assim, só leríamos e veríamos os correlegionários, o que além de tudo o mais nos punha, aqui na Coluna, em evidentes apuros quantitativos. Até porque há um problema adicional: nós podemos saber quem são os nossos em termos de arte contemporânea, mais isso é mais difícil (e provavelmente inútil) para os clássicos e os antigos. E há aparentes paradoxos: os gostos literários de Marx, por exemplo, eram imensamente conservadores, e um dos seus autores preferidos era, por exemplo, Sófocles. Ora aí está um ponto em que eu o Karl estamos de acordo. PM
LOST IN TRANSLATION: Quando por vezes (por curiosidade e coleccionismo) leio literatura portuguesa em tradução, percebo a imagem errada que passa para o estrangeiro. É que em inglês, francês, espanhol, italiano, a nossa prosa de ficção soa muito melhor do que é em português, enquanto a nossa poesia raramente conserva o mesmo brilho (poetry is what gets lost in translation, etc). Foi talvez por isso que deram o Nobel ao Saramago. PM
ASSUNTOS SÉRIOS, ENFIM: Muito interessante o comentário do Francisco Frazão. De facto - e em última análise - a distinção clara entre política e arte acaba por ser um preciosismo intelectual pouco exacto. Mas não será que sem esse preciosismo não seremos todos um pouco mais bárbaros? Continuaremos esta conversa. PM
GRACIAS: Em pouquíssimo tempo, chegaram três sugestões de livrarias espanholas. Obrigado aos leitores que as enviaram. Um dos nomes chamou-me a atenção: Libreria Victor Jara. Se calhar até mando vir dessa. Agora digam: imaginam um esquerdista a mandar vir livros duma Libreria Primo de Rivera? No lo creo. PM
VOLTA, REVEL, ESTÁS PERDOADO: E o César de Melhor Filme Estrangeiro foi para...tchan tchan tchan tchan...Bowling for Columbine, claro. Critério, escusado será dizer, estritamente cinematográfico. PM
BLOCO LIBERAL: Já aqui falámos nos blogs conservadores Esmaltes e Jóias e do Picuinhices (o Espigas ao Vento ainda não defendeu, até agora, nenhuma ideia conservadora, para o pormos nessa lista). Agora descubro mais três, ligados a correntes liberais-libertárias, o que nos dá uma grande alegria, fartos que estamos da direita reaccionária do costume. Como se chamam estes blogs pagos pelo Pentágono? O Liberal Libertário, o Valete Fratres! e o O Intermitente. E haverá mais, em breve. Para que os portugueses na blogosfera saibam quem são Nozick, Ayn Rand, ou o velho Hayek, entre outros defensores das liberdades individuais (que muitos verão como «bizarrias» na nossa direita fossilizada). Aqui na Coluna somos conservadores-liberais, na esteira de Raymond Aron (e do grande Tocqueville), mas saudamos vivamente os «camaradas» liberais e libertários. Todos não somos demais para enfrentar o regresso festivo do esquerdismo e a multidão dos idiotas úteis. PM