sexta-feira, janeiro 03, 2003

OÉ-OÁ: O Brasil não é um país sério, sentenciou o impagável General de Gaulle, e quem ouviu os pêtistas a gritar oé-oá, como no futebol, na posse, até então correcta, do novo presidente, ficou com uma imagem do que aí vem: pessoal político inexperiente, demagógico, radical, e de missangas no cabelo. É certo que a transição correu de forma civilizada, mérito de FHC, de quem já temos saudades (quem diria?). Podemos discutir os números exactos dos seus sucessos ou tentativas, mas não há dúvida de que legou ao seu sucessor uma democracia institucionalmente credibilizada; a miséria e o crime são, com certeza, assuntos mais importantes, mas é bom ver um Estado sul-americano mostrar uma certa dignidade, tão escassa na região. Agora, como vimos pelos dois discursos de Lula (previsível, o cerimonial, paupérrimo o de improviso) temos dois mitos esquerdistas em acção. Um, na sua formulação radical, diz respeito à mudança, palavra que goza entre a esquerda de um fetichismo digno de uma peça de lingerie de Denise Richards. Agora, garantem-nos, tudo vai mudar. Mas mudar as políticas é apenas ilusório, porque não se mudam as leis da economia, da concorrência, do conflito; mudar sim, mas para onde? Lula, ao que parece, já moderou suficientemente o seu discurso e talvez o seu plano de acção, como se suspeita pela escolha do presidente do Banco Central. Mas é bom lembrar que o PT não saiu reforçado do voto: esta foi uma vitória pessoal de Lula, que terá de governar com base em alianças parlamentares, sem assustar os investidores, alienar as classes médias ou assumir poses castristas. Este papel central do homem Luís Inácio da Silva torna notória outra característica, porventura oriunda de uma concepção mais moderada, mas não menos fatal: a da política das boas intenções. Parece evidente que Lula é uma «boa pessoa», que acredita «convictamente» no que diz, que está cheio de «boas intenções», que quer fazer «melhor»; mas isso são apenas lamechices sem significado perante as duras realidades da política. Lula tem de ser sensato e eficaz, moderado e empreendedor, não lhe basta um coração sangrando pelas injustiças do mundo e uma lágrima ao canto do olho. Os grandes governantes não precisam de ser «boas pessoas» (lembram-se da última «boa pessoa» que dirigiu Portugal?), mas de ter propósitos grandes, realistas e firmes, e de saber que a política trata da paz e da prosperidade, e não do «homem novo» ou da santificação da alma. Lula, faça favor.
Ano novo, blog novo, ou quase. Retomamos o contacto com o nosso público pequeno mas, ao que parece, fiel, e prometemos, de segunda a sexta, actualizar a página, com textos dos suspeitos do costume - João Pereira Coutinho, Pedro Lomba e Pedro Mexia - e de colaboradores e amigos. O espectro, já sabem, abrange conservadores, liberais e independentes. Esquerdistas curiosos são bem-vindos. Democratas-cristãos, é favor dirigirem-se à página da Acção Socialista.