terça-feira, dezembro 10, 2002

REVER A CONSTITUIÇÃO? Se perguntassem a um dos nossos compatriotas como é que ele salvaria a Pátria, ele não hesitaria em dar uma solução.Todos temos uma solução para os problemas desta nação deprimida. E, invariavelmente, essa miraculosa solução passa pela criação de uma qualquer lei, mais perfeita e racional do que a anterior. Nós, visivelmente, gostamos de leis. Sobretudo, daquelas leis que fazemos, daquelas leis que têm, por isso, a nossa anónima marca. Isso a que chamamos misteriosamente de legislador não é mais do que uma criatura encantada com o seu próprio produto e com a elevação das suas intenções. Por vezes, a realidade, que ele ignora, ultrapassa-o. Por vezes, a realidade trata de destruir sem dificuldade a pureza das suas intenções.
Se os partidos políticos deste país pensarem em rever a Constituição, confirma-se um facto suspeitado: a futilidade está já na política. Já terão reparado que, em Portugal, a confiança nas instituições do poder – e não apenas do poder político – se encontra, certamente, ao nível mais rasteiro desde o 25 de Abril. Essa confiança nunca foi extraordinária. Mas nunca foi tão ostensiva a ideia de que não podemos confiar – não podemos confiar nos políticos, nos gestores, nos trabalhadores; não podemos confiar nos jornais, nas televisões, na política; não podemos confinar na justiça, no fisco, nas escolas, nas prisões. Não podemos confiar porque, estranhamente, cresce a impressão que nenhum destes poderes, instituições ou pessoas funciona como deveria funcionar; nenhum destes poderes age sem uma qualquer obscura motivação ou interesse. Por isso, pensar em rever a Constituição neste estado de coisas, é uma irrelevância. As reformas que o sistema exige não exigem alterações à Constituição. A não ser que a revisão tenha uma ideia – algo que houve em 1982 ou em 1989 mas que faltou, desgraçadamente, em 1997. Mas nós, honestamente, desconfiamos que os principais partidos políticos tenham essa ideia.