sexta-feira, novembro 22, 2002

A DIREITA E A CULTURA: Em países mais civilizados do que Portugal, este é um tema bizantino. Se não é em Portugal, isso deve-se ao facto de a direita portuguesa não saber bem o que fazer à cultura e de, em certos casos, fugir mesmo dela. Há quem simplesmente ache que ler livros e ver cinema (para adultos e não para mentecaptos) é uma coisa exótica. Há depois quem queira apenas tratar do seu farnel, tremendo com o dinheiro que o Estado gasta a subsidiar obscuras companhias de teatro e escritores desocupados. A verdade é que a direita, na generalidade, sabe pouca literatura, pouca história, pouca arte. O que se sabe, com franqueza, costuma ser para o lixo. Há dias, estivémos no lançamento de um desses livros light que agora andam por aí aos magotes. O deserto. Nem raparigas bonitas, algo que sempre foi a principal virtude da direita e a principal atracção dos congressos do PP. Não se admirem depois de criaturas como o profeta Boaventura Sousa Santos virem para o palco dar conselhos à nação, sem que ninguém, na direita, os desminta.
DISCRIÇÃO: Anda uma caterva de gente a dizer mal de Pedro Roseta, o nosso silencioso ministro da cultura. Nestes seis meses, Roseta tem sido, de facto, discreto. Mas hã aqui um equívoco: na cultura, a discrição não é necessariamente uma coisa má porque qualquer pessoa que tenha lido alguns livros decentes na vida sabe que é de discrição que a cultura precisa. O problema parece estar na indefinição da política cultural do Governo. É verdade que não se vêem grandes decisões nestes últimos seis meses. Parece que o Governo, tão pressuroso noutras matérias, é lento e desinteressado nas questões culturais. E o orçamento, tão restritivo para a cultura, não ajuda. Mas quanto à discrição de Roseta, acalmem-se as hostes que pensam que a política cultural precisa de um exibicionista. E de carrilhões que, em vez de tocar, chiam.

quinta-feira, novembro 21, 2002

A LUSOFONIA: Na última reunião de Parlamentos lusófonos, a delegação moçambicana teve rasgo de génio: estando em causa a criação de um parlamento lusófono (uma brincadeira inofensiva), Moçambique rejeitou a ideia dizendo que, verdadeiramente, lusófonos são apenas Portugal e Brasil. Já sabíamos que os moçambicanos preferem o críquete. Mas com declarações destas não há comunidade lusófona que resista.

quarta-feira, novembro 20, 2002

A DECADÊNCIA: No sábado passado, Vasco Pulido Valente explicava que a causa para a presente depressão portuguesa é isto: Portugal está redescobrir que é Portugal. E isto significa ver o óbvio: não somos ricos, não somos bons, não somos desenvolvidos. E temos um atraso de décadas em relação aos que são ricos, bons e desenvolvidos. O cavaquismo mentiu-nos. O guterrismo aldrabou-nos. E, por isso, há que aceitar a realidade e deixarmo-nos de farroncas. Esta percepção não é nova. Todo o debate político na segunda metade do século XIX é sobre a nossa decadência. Por que razão não nos industrializámos? Por que razão o império não passava de uma miragem? O que é que aconteceu. Antero, Eça, Ramalho, todos eles pensaram nisto. À sua maneira, o Estado Novo pretendeu ultrapassar a decadência com uma convicção clara acerca de Portugal. Portugal era uma ideia. No mundo das ideias, Portugal tinha excelência. Mesmo que não passássemos de um país rural e analfabeto, Portugal era Portugal. Salazar acreditava e acreditou durante décadas nisto. O problema é que, precisamente, Portugal era Portugal. E Portugal não podia ser Portugal. Não podia ser um país atrasado, composto por gente (os nossos avós) que aceitavam o destino com uma resignação lamentosa. Veio a democracia e a foi-nos prometido que, com a Europa, íamos mudar e ser como eles. Na verdade, durante uma década até acreditámos que éramos. Mas não éramos. Não éramos e não somos. Afinal, não somos. E - dizem-nos - temos, alegremente, que recomeçar outra vez tudo. Tudo bem. Gostaríamos apenas de relebrar este facto evidente: na última década, Portugal não deixou de ser governado. Quatro governos. Dois primeiros-ministros. Várias eleições. Ministros. Deputados. Se os últimos anos são a história de um falhanço, esse falhanço tem protagonistas. Convém não nos esquecermos disto. Alguém falhou. Nós falhámos. Mas eles - eles - também falharam. E eles tinham a responsabilidade maior.
A IDENTIDADE: A obsessão com a identidade é apanágio de tempos de crise e de momentos indefinidos. Os índios discutem muito a sua identidade. Assim como os europeus que se entregam à famigerada identidade europeia com um afã e uma generosidade pouco vistas. Não há dia santo em que não haja um colóquio, um encontro, uma conferência sobre esse mítico tema. O vulgo sabe pouco da Europa. E menos quer saber das suas impalpáveis instituições burocráticas. Mas há um conjunto de portugueses sinceramente empenhados em pensar na Europa e na posição de Portugal. O problema é que, por costume, o que sai de tanto debate não interessa muito.O federalismo? O povo europeu? A nação europeia? As instituições comunitárias? Tudo isto é importante mas o alvo não está aqui. Não há, meus amigos, nenhum povo europeu, nenhuma nação europeia e nenhuma identidade europeia (para além de um século torcionário de duas guerras mundiais que, não por acaso, começaram neste continente). E podemos discutir eternamente esse tema metafísico sem chegar a resultado algum. Discutir o federalismo, que uns recusam e outros aprovam, não adianta também muito. O federalismo não é necessariamente bom nem é necessariamente mau. Há duas coisas em que temos de pensar antes de debatermos a Europa: primeiro, que as formas políticas não se defendem por acaso: se defendemos um Estado assente na unidade nacional de uma comunidade política, é porque consideramos (por várias razões) que esse Estado é a melhor forma de organizar essa comunidade política, a melhor forma de assegurar isso a que chamamos ordem, justiça, bem comum (o que lhe quiserem chamar); depois, e o mais importante, é que não devemos discutir a Europa como se não possuíssemos um interesse nessa discussão. A Europa como realidade abstracta não interessa. A Europa como ordem política autónoma (e indefinida) interessa menos. O que é importante é pensar na Europa onde Portugal (e os Estados como Portugal) contem mais. Isto, supomos, é defender o interesse nacional. É isto que devemos fazer.

segunda-feira, novembro 18, 2002

«DIPLOMATIQUE»? Ignacio Ramonet é o mais apresentável de uma série de órfãos do marxismo que dominam esse bordel chamado, patuscamente, Le Monde Diplomatique. Diz ele no editorial de Novembro que o mundo nunca esteve tão pacífico como agora: «Presque tous les brasiers que la perspective marxiste de construire un monde meilleur avait enflammés sont effectivement éteints ou en voie d'extinction. Il reste à peine, à l'échelle de la planète, une dizaine de foyers de violence : Colombie, Pays basque, Tchétchénie, Proche-Orient, Côte-d'Ivoire, Soudan, Congo, Cachemire, Népal, Sri Lanka, Philippines... Certes, un nouvel adepte de la lutte armée - l'islamisme radical - a fait son apparition et occupe désormais le devant de la scène médiatique. Mais ses actions, aussi spectaculaires soient-elles, ne doivent pas masquer l'essentiel : la lutte politique armée s'est raréfiée». É quase divertido como diagnóstico, se não fosse trágico. Para Ramonet, os vários conflitos listados são uma ninharia, a ameaça islâmica um manifesto exagero, e a única força de transformação política é (foi?) o marxismo. Nada como o pensamento complexo...


MÃE E FILHA: Os jornais dizem que Ana Gomes (de quem gostamos) vai fazer parte do núcleo duro de Ferro Rodrigues. Muito bem. Sugerimos que a filha, Joana Gomes Cardoso (SIC Notícias), passe a fazer parte do nosso.

SOBRE ANDREOTTI: Sobre a condenação do sr. Andreotti, nada a dizer. Não temos dados suficientes e, de resto, processos judicais nem sequer são matéria de opinião. Sabemos apenas que Andreotti é um dos símbolos de uma direita que não interessa, que até poderá ter cumprido o seu papel histórico, mas que se tornou a partir de certa altura uma clique de mafiosos. De resto, o próprio conceito de «democracia-cristã» parece-nos repelente. Um dos Mandamentos, se bem nos lembramos, é não invocar o nome de Deus em vão.
A GUERRA II: Sejamos sérios: ninguém, a não ser os comerciantes de armamento e algum militar chanfrado, é a favor da guerra, de qualquer guerra. Mas a guerra é por vezes a melhor solução, um mal menor, a única maneira de corrigir ou evitar um evento ainda pior. Não alinhamos na retórica das «pombas» e dos «falcões». Se o Iraque não tiver armas de destruição maciça, nem estiver em vias de as fabricar ou obter, não há razão para atacar militarmente Saddam. Ponto final. Mas a aceitação dos inspectores só se conseguiu por causa da ameaça bélica, não haja dúvidas sobre isso. Se o sr. Blix e os seus técnicos tiverem liberdade de movimentos, então saberemos em breve a verdade, sem margem para especulações. Se o Iraque continuar a tentar truques de toda a espécie, como aliás fez no passado, então saberemos que têm algo a esconder. Nesse caso, não nos venham depois dizer que ficou alguma coisa por provar.

BREAKING NEWS: Fontes seguras informam-nos de que terá decorrido no último fim-de-semana um congresso do Partido Socialista. Até ao momento não conseguimos confirmar a notícia.