sexta-feira, janeiro 24, 2003

302 TO GO: Depois de Felgueiras e de Águeda, o Marco, do inenarrável Avelino. Isto promete...
E QUANTO ÀS GUERRAS: Quanto à legitimidade política e moral da guerra, quem ainda não a viu, nunca a verá. A legitimidade «jurídica» é que é discutível, mas o Direito Internacional é em grande parte discutível (senão mesmo inexistente). Ficamos no entanto contentes com o facto de não serem pacifistas. São é contra todas as guerras travadas pelo Ocidente desde há cinquenta e tal anos, mas isso é outra história...
Ó AMIGOS: Ó amigos do Blog de Esquerda (http://blog-de-esquerda.blogspot.com), porque é que a América não ataca a Coreia??? Um palpite: porque a Coreia já tem armas nucleares...?
A EUROPA METE NOJO: Trancrevemos, das agências: German and French officials fired back angrily Thursday at Defence Secretary Donald H. Rumsfeld's dismissal of their governments as the "old Europe," and said the comments underscored America's arrogance as it prepares for possible war with Iraq. Rumsfeld also said German and French positions had proved to be a "problem" that had not been created by "vast numbers of other countries in Europe. They're not with France and Germany on this. They're with the United States." (...) The spat erupted after the two European powers on Wednesday unveiled a joint anti-war stance on Iraq, forcing the NATO alliance to delay planning for a possible support role in an Iraqi invasion. (...) French Finance Minister Francis Mer said he was "profoundly vexed" by Rumsfeld's remarks in Washington on Wednesday. "I wanted to remind everyone that this 'old Europe' has resilience, and is capable of bouncing back," Mer told LCI television. "And it will show it, in time." (...) German Chancellor Gerhard Schroeder and French President Jacques Chirac were engaged in celebrations marking 40 years of German-French postwar reconciliation as Rumsfeld said their countries represented Europe of the past. "You're thinking of Europe as Germany and France. I don't," Rumsfeld said in his remarks. "I think that's old Europe. If you look at the entire NATO Europe today, the center of gravity is shifting to the east and there are a lot of new members." Neither Schroeder nor Chirac directly responded to Rumsfeld on Thursday, but the German leader stiffened his position, saying Germany and France would stick to their anti-war stance and "never accept" that war is inevitable. "We are of the opinion that everything must be done to achieve the implementation of the (U.N.) resolution by peaceful means," said Schroeder, speaking alongside Chirac at the chancellery in Berlin. "That is the common position of France and Germany and we will not be diverted from it," Schroeder said. Both countries now are members of the U.N. Security Council, although only France has veto power. Chirac spokeswoman Catherine Colonna said the president considered the debate over war with Iraq as "legitimate" but wants to see it "take place with seriousness and calmness." (...) This week at the United Nations, French Foreign Minister Dominique de Villepin hinted at a French veto if the United States tries to push a resolution through the Security Council calling for military action against Baghdad. The Bush administration maintains it does not need a second U.N. resolution in order to wage war against Iraq. Despite Rumsfeld's contention that there was greater support for Washington among newer NATO members east of Germany. Rumsfeld tem toda a razão: é evidente, primeiro, que a Alemanha e sobretudo a França representam a «velha Europa», convencidas de que ainda são potências, falando com voz mais grossa do que a sua real importância, especialmente no plano militar. A resposta franco-alemã é patética, sobretudo a noção de que assim-se-vê-a-força-da-UE; tem-se visto tem: ausência de política externa e de defesa com cabeça, tronco e membros, medidas meramente reactivas, timoratas, patetas. A capacidade da Europa, nestas matérias, já se viu o que vale. Depois, Rumsfeld tem razão ao afirmar que os países de Leste, novos membros da NATO e da União ou candidatos a isso, estão com os EUA, e esses países representam em boa medida a «nova Europa». E será que a posição maioritaria nesses países não terá a ver com a atitude agressiva que uma certa potência (da liberdade) tomou contra uma certa potência (da opressão) durante décadas? É capaz, é capaz... Os países de Leste não sofrem de ilusões de grandeza nem de anti-americanismo primário, e por isso entendem a posição de Bush. Nos outros países da Europa, não estamos tão certos da opinião de Rumsfeld: os governos inglês, espanhol, italiano e português, pelo menos, estão com os EUA, mas contra as opiniões públicas dos respectivos países. Quanrto ao boicote na NATO, é um ultraje, e a «prova de força» na ONU uma iniquidade. É por essas e por outras que, sendo europeus, não somos europeístas entusiastas, porque ainda há estes sub-De Gaulles grotescos que representam uma Europa cega, cobarde, pusilânime. Perante esta Europa nós, na Coluna, estamos e estaremos com a América.

quinta-feira, janeiro 23, 2003

SOBRE A DIREITA RELIGIOSA: O fenómeno da direita religiosa é hoje essencialmente um fenómeno norte-americano (falamos, claro, do Ocidente e do cristianismo, porque o Oriente é um capítulo à parte). Na Europa, a maioria das pessoas religiosas são politicamente de centro-direita, conservadores ou moderados, mas também liberais, e um número razoável de socialistas. Tirando as seitas, que ainda não mostraram apetência (ou capacidade) política assinalável, nenhuma das religiões propriamente ditas se tem imiscuído excessivamente na política, e os países de tradição protestantes, como os nórdicos, são em muitas matérias os mais «progressistas» (direitos dos homossexuais, aborto, eutanásia, drogas, etc). Embora vomitemos a designação «democrata-cristão», sabemos que na prática não significa nenhuma espécie de militantismo religioso, a não ser em matérias limite, e que muitos dos que se reconhecem nessa família têm até notórios complexos de esquerda. De resto, em Espanha, França e Inglaterra não há democracia cristã, e em Portugal estão todos num gabinete no Largo do Rato. Assim, temos felizmente um ambiente político que nos permite separar a religião e a política. O mesmo não se passa nos EUA, não pela parte da Igreja Católica (tradicional apoiante dos Democratas), mas essencialmente por causa de certas confissões protestantes, nomeadamente as que formaram a Christian Coalition. Reaccionários em termos morais, levam mesmo as posições sensatas ao extremismo, praticam uma retórica histérica e pseudo-religiosa, fazem lóbi em favor de certas concepções que, na maior parte dos casos, não têm correspondência na realidade sociológica nem - o que é mais importante - na lógica conservadora. É indiscutível a força dessa coligação, o seu poder dentro dos Republicanos, mas também a sua importância no mundo das fundações, dos think tanks, dos media (sobretudo a rádio). Mas estão enganados os que pensam que essa facção é preponderante neste momento. Se virmos os registos de votações (e há sites só dedicados a isso), os textos e declarãções, os processos legislativos, veremos que muito pouco da agenda «cristã» é implementado, até porque recolhe, naturalmente, zero votos Democratas. Da Administração Bush, o membro mais ligado a essa corrente é John Ashcroft, mas mesmo na área da Justiça (a sua pasta) não se vislumbram grandes malfeitorias. Alguns acusam Ashcroft de estar a põr em perigo os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, mas isso liga-se à guerra contra o terrorismo, não à agenda «cristã». E há vários aspectos novos no GOP: por exemplo, a influência dos libertários (sobretudo na área intelectual) ou de grupos como os Log Cabin Republicans (gays direitistas). O mainstream Republicano é conservador no sentido abrangente de Reagan (que foi capaz de louvar Roosevelt), e não anda longe do que Bush filho chamou, embora com pouca felicidade verbal, compassionate conservatism, ou seja, um conservadorismo que não implica insensibilidade social nem radicalismo. Haverá muitos «falcões», como a esquerda lhes chama, muitos «tubarões» hipercapitalistas, e nada disso é muito bom, mas, ao contrário do que nos querem fazer crer, os tele-evangelistas não mandam na Casa Branca. Basta ver as tensões entre os media (e sobretudo os blogs) conservadores e os círculos mais extremos. Uma das batalhas mais importantes de Bush é reduzir o peso da Coligação Cristã no GOP, sem abdicar dos princípios cristãos. Não juramos que o consiga fazer, mas é essa, sem dúvida, a nossa esperança.
ENTÃO O FASCISMO NÃO VINHA AÍ? Os resultados finais provisórios das eleições legislativas na Holanda dão a vitória aos democratas-cristãos no poder (CDA). Com quase cem por cento dos votos contados, o CDA obtém 44 dos 150 assentos parlamentares, ficando os sociais-democratas muito próximos deste valor, com 42 lugares. A Lista de Pim Fortuyn, que fez parte do Governo anterior, sofre uma grande derrota, obtendo apenas oito assentos, ao contrário dos 26 que ganhou nas eleições de Maio. Os resultados finais definitivos serão conhecidos a 27 de Janeiro, quando todos os votos, incluindo os expressos no estrangeiro, forem contabilizados. E, neste caso, pequenas variações podem modificar o rumo político, dada a proximidade entre os dois partidos mais votados. Estas são as segundas eleições legislativas na Holanda em oito meses e surgem após o colapso, em Outubro, da coligação entre democratas-cristãos, a Lista de Pim Fortuyn e os liberais do VVD, que esteve apenas 87 dias no poder. O lugar de partido mais votado é crucial num país onde os Governos resultam, por tradição, da formação de coligações. É ao vencedor das eleições que cabe negociar, em posição de força, a formação da coligação, competindo-lhe, normalmente, a designação do primeiro-ministro. E pronto. A «hidra» durou 90 dias e agora volta à sua expressão mais ou menos normal. O que é bom. Mas os temas da segurança, da imigração, e da (in)tolerância face aos intolerantes estiveram agora nas preocupações de todos os partidos. O que também é bom. É isso que a esquerda não consegue perceber: os movimentos extremistas de direita podem dar (e dão) respostas erradas, mas muitos dos problemas para os quais chamam a atenção são problemas reais. Quando a esquerda (e a direita clássica) não entende isto, sofre as consequências. Quando tem a lucidez de ver o mundo à sua frente, então é possível tratar dos problemas reais e dispensar, pela direita baixa, os folclóricos extremistas.
DANOS COLATERAIS: Ainda não começou a guerra e já há danos colaterais: a poesia de língua inglesa. Já aqui demos conta da quadrinha anti-americana de Andrew Motion, o Poeta Laureado. Agora foi a vez Harold Pinter, um fabuloso dramaturgo e um intectual de esquerda crapuloso, no limite da repugnância (ler Various Voices, um dos piores livros «políticos» dos últimos anos). A sua poesia sempre foi, para utilizar a expressão inglesa, bastante crappy , mas este novo poema já ganhou lugar nas antologias do lixo que o fanatismo político (e o vale-tudo literário) causa. Eis o poema (digamos assim), publicado no Guardian de ontem:

God bless America


Here they go again,
The Yanks in their armoured parade
Chanting their ballads of joy
As they gallop across the big world
Praising America's God.
The gutters are clogged with the dead
The ones who couldn't join in
The others refusing to sing
The ones who are losing their voice
The ones who've forgotten the tune.

The riders have whips which cut.
Your head rolls onto the sand
Your head is a pool in the dirt
Your head is a stain in the dust
Your eyes have gone out and your nose
Sniffs only the pong of the dead
And all the dead air is alive
With the smell of America's God.


Vai mandando postais.


quarta-feira, janeiro 22, 2003

CINEMATECA: Não morremos de amores pela arquitectura da nova Cinemateca, mas tem duas boas salas (a principal um pouco tristonha, a mais pequena em boa hora baptizada Luís de Pina), mais uma de DVD, um agradável café, uma livraria promissora (mas ainda com pouco material) e, claro, as imprescindíveis «folhas». Ah, e um Warhol (Judy Garland), emprestado pela Colecção Berardo. No horizonte cultural português, é uma benção, um verdadeiro oásis na R. Barata Salgueiro. Deus é grande, e João Bénard é o Seu profeta.
COMÉDIAS MARXISTAS: Ontem à tarde a Cinemateca ofereceu a todos os desocupados um «double bill» fabuloso. Nada mais nada menos do que duas grandes comédias, uma muito conhecida, outra quase clandestina. Primeiro, A Night at the Opera (1936). Os irmãos Marx no seu zénite. Thalberg disciplina um pouco os rapazes, limando o anarquia do anterior Duck Soup: uma intriga sentimental tão insuportável como as dos filmes portugueses de então, e canções e mais canções para o público «respirar» entre o caos marxista. O sketch do contrato rasgado é um dos mais geniais do cinema, e uma paródia definitiva ao Direito. A autoridade, seja ela qual for, é toureada. O romantismo, apesar do adoçicado romance, é escarnecido. A bondade humana é reduzida no melhor das hipóteses ao interesse próprio. E a Grande Arte, neste caso a ópera, é esfrangalhada na sua pompa cultural. Os irmãos representam o que de mais perversamente infantil tem o humor: o desrespeito total por conveniências, hierarquias, rituais, o poro gozo do individualismo. Definitivamente, continuamos marxistas tendência Groucho. A seguir aos Marx, um doce: One Plus One, também conhecido por Sympathy for the Devil, filmado pouco depois do Maio de 68 por Godard. Lembremos que pouco antes do Maio já Godard entrara em parafuso, rejeitando a sua obra anterior como «burguesa», lendo avidamente o Presidente Mao, e fazendo filmes quase clandestinos em que se conjuga a propaganda descabelada com uma experimentação visual assinalável. Desde que vimos La Chinoise, de 1967, percebemos que este período de Godard - conhecido como «les années Mao» - é o das grandes comédias involuntárias. Literato que sempre foi, JLG interessa-se acima de tudo pelo discurso político, ou pelos múltiplos discursos que o habitam (embora o interesse por jovenzinhas núbeis não seja dispiciendo). Tanto ou mais que La Chinoise, One Plus One é uma acumulação (em dez planos-sequência) de discursos: os Rolling Stones em estúdio para gravar «Sympathy for the Devil» (o painel central do filme), uma entrevista a Eva Democracia (a lindíssima Anne Wiazemsky, na altura esposa do patrão) em que todas as perguntas se respondem, warholianamente, com um «sim» ou um «não», uma livraria trash gerida por nazis (uma cena delirante), leituras de um romance político com personagens históricas contemporâneas (entediante), discursos dos Black Panthers. No que aos Stones diz respeito, repare-se como Godard nos dá apenas os dados imediatos da consciência, como diria um seu personagem de outro filme: os Stones ensaiam, repetem, enganam-se, fumam, esperam, e a câmara, em movimentos de uma suprema elegância, passeia-se pelo estúdio, filmando também os técnicos, os funcionários, os homens da discográfica. São cinco sequências de uma beleza dilacerante, como só um Scorsese em forma seria capaz, e nada mais nos é dado do que as imagens, embora seja possível, evidentemente, fazer uma leitura da importância do rock na cultura contemporânea, da arte como artefacto e, claro, de uma canção que glosa as malfeitorias do diabo na história contemporânea. Depois, nas entrevistas, nos discursos, nos grafitti, Godard, de certo modo influenciado pela arte pop (mas também há Matisse, por exemplo nos intertítulos), cola toda uma série de discursos que valem como forma de relação com o mundo, independente da sua relação com a verdade. Cada personagem habita um discurso, e a política é o reino que permite o aprisionamento do mundo num discurso. Mesmo que Godard acredite em muito do que é dito, é impossível não rir com a forma evidente, aparentemente hipercrítica mas na verdade passiva, como cada um debita a sua cartilha («Qual a relação entre o poder negro e o comunismo?» «Oh, não, essa pergunta outra vez»). Ainda sob o efeito do Maio, produz slogans fantásticos: «Freudemocracie», «Sovietcong», «Cinemarxism», etc. E, sobretudo, esta pérola: «para se ser um intelectual revolucionário, é preciso deixar de ser intelectual». Jean-Luc, um abraço.
BRAVO, ORIANA: Decidimos iniciar a leitura de «A Raiva e o Orgulho» de Orianna Falacci. 180 páginas sem uma única ideia. O livro resume-se ao seguinte comentário, nevrálgico: a Europa «não tem tomates». Bravo, Orianna.
A CONSTITUIÇÃO : Jardim quer provocar uma revisão constitucional mas as eminências do regime não concordam. Percebe-se: Jardim quer despachar depressa o Ministro da República do Palácio de São Lourenço e obter agora o que não conseguiu em 1997. Aí reside, aliás, o problema da futura revisão constitucional, aconteça ela quando acontecer. É que essa revisão há-de ser uma de quatro coisas e ninguém ainda escolheu: ou uma revisão contra a Constituição de 1976; ou uma revisão contra a revisão de 1997; ou uma revisão para completar a (abortada) revisão de 1997; ou uma dessas ideias que paira nalgumas cabeças de fazer da Constituição um hórrido instrumento de progresso e modificação social. No limite, pode ser um pouco disto tudo, o que não é exactamente animador.
DÚVIDA: Ainda não percebemos a atenção dada à possível ascenção de António Guterres na Internacional Socialista. Tratar-se-á de um motivo de orgulho?
THE ADAM FILES: Acompanhamos, divertidos, a dissecação do autor de um artigo que aqui citámos, levada a cabo pelo Blog-de-Esquerda (http://blog-de-esquerda.blogspot.com). Parece que Adam Mersereau, que conhecíamos dos seus artigos da NRO, é um mostrengo que, entre outras coisas, defende o criacionismo. Mas haverá certamente esqueletos ainda mais assustadores no armário. Aqui na Coluna apostamos que Mersereau gosta de beisebol, come pipocas no cinema, guia uma pick-up, tem em casa discos do Michael Bolton, usa meias brancas, limpa o nariz com o mindinho, vê a tv-shop, e assim por diante. Francamente, meus amigos: citamos uma opinião do senhor, que no essencial subscrevemos, embora não se trate efectivamente de um Musil. Será que põem a Stasi em campo para investigar tudo o que um fulano que citam opinou na vida? O ponto essencial mantém-se: há boas causas (i.e., justas) para fazer a guerra, e pensamos que o ataque ao Iraque é uma causa justa. Imaginam realmente que detestamos Darwin, ou que queremos pôr bombas em clínicas de abortos, ou que defendemos as criancinhas de uniforme a rezar na escola? Em todo o caso, alguma coisa se ganhou: pelo menos pusemos marxistas a ler a National Review. Se for sempre assim, esperem pelas nossas próximas citações.

terça-feira, janeiro 21, 2003

O CAPITAL NÃO TEM PARTIDO: Será sempre caricato se o projecto de Código do Trabalho for aprovado com os votos dos partidos do centro mas, ironicamente, não ser o código que patrões e trabalhadores mais desejariam. É certo que todos têm aqui um qualquer interesse: os partidos querem ganhar eleições; os patrões aspiram a despedir mais e melhor; os trabalhadores, que há muito desistiram da ditadura do proletariado, preferindo o Colombo aos domingos à tarde, pretendem conservar direitos, mordomias e aumentar salários. Mas isso não significa que não se deva, como se diz em certos sítios, distinguir. De facto, qualquer reforma da legislação laboral será combatida pelas centrais sindicais mais duras porque, fatalmente, porá o dedo no despedimento, na contratação a prazo, verdadeiras aberrações nacionais. Já se compreende menos que a CIP e outras eminências do capital lamentem que o Governo não vá tão longe e se mantenha na tradicional tibieza da cidade. Ainda nos lembramos de 6 anos de Governo socialista, daquele ambiente dormitivo, do «viver habitualmente» que o coruscante engenheiro e extraordinário da chefe da internacioal socialista patrocinou. Nesses 6 anos, quantos empresários e patrões contestaram a governação seguida ou exigiram as reformas necessárias para o país?

CORREIO: Correm rumores de que há portugueses que ainda vêem os canais generalistas. Como aqui no bairro não encontramos nenhum que assumisse, lançamos como primeiro desafio aos nossos leitores que nos façam chegar relatos dessa experiência terminal e que se julgava extinta. Saia do armário, conte ao país como é ver a RTP, a SIC e a TVI. Usaremos nomes fictícios para não prejudicar as vidas de inocentes.
PONHA, PONHA, PONHA: E a Coluna Infame tem novo e-mail. Protestos, gracejos, delírios, sugestões, simples ejaculações para colunainfame@hotmail.com. Outra vez: colunainfame@hotmail.com. Agora para o pessoal de esquerda: co-lu-na-in-fa-me@hotmail.com. Força nela, Manela. Vamos nessa, Vanessa. O dedo não, Maria João. Prometemos confidencialidade.
303 TO GO: Depois de Felgueiras, Águeda. O poder local é, sem dúvida, a «glória de Abril».
DIREITOS QUÊ? Anedota do ano: a ONU acaba de entregar a presidência da comissão dos Direitos Humanos à... Líbia. E é esta organização que nos pedem para respeitar.
FINA FLOR: A oposição à guerra na Europa é esmagadora. Só um exemplo: em Espanha, ao que parece, apenas 2% da opinião pública se declara favorável a um ataque ao Iraque, e a Espanha tem um governo de direita. Mas na América, 80% apoiam a guerra. Em Washington e S. Francisco as manifs trouxeram à rua, no máximo, 100.000 pessoas, o que para os EUA não é tanto como isso (a Nação do Islão reclama ter congregado na capital, há uns anos, cerca de 1 milhão de homens). E leiam a imprensa americana para ver quem são: desde Panteras Negras até grupos anti-semitas e nazis, desde maoístas até apoiantes de Milosevic, narcotraficantes colombianos e amigos dos terroristas árabes (and the list goes on). Como diz o insuspeito Eric Alterman, pode ser que ao ver estas pessoas na rua, com os seus slogans de um radicalismo grotesco, a opinião pública americana ainda despreze mais estes ditos «pacifistas», que no fundo são, pura e simplesmente, inimigos do Ocidente democrático e partidários de várias formas de totalitarismo (incluindo o de Saddam). Desses 100.000, quantos serão os homens de boa vontade e de mente limpa que se opõem de forma equilibrada ao conflito? Valha-nos Deus, até o Guardian já apoia o ataque...

segunda-feira, janeiro 20, 2003

MAIS IDIOTAS ÚTEIS: A Comissão Nacional Justiça e Paz vai assinar, ou já assinou, o manifesto «Pela Paz e Contra a Guerra» (um nome de antologia). Deve ser em parte fruto da intervenção de um dos membros mais conhecidos da Comissão, o bloquista José Manuel Pureza, teórico da «paz», patetice que infelizmente tem tradições no catolicismo pós-conciliar. O Prof. Pureza prefaciou recentemente um manuel de geo-estratégia de Pezarat Correia (o único militar de Abril vivo que sabe ler e escrever), em que reforçou a ideia, exposta pelo autor, da preominência da «paz» nas Relações Internacionais. O erro aqui é desde logo onomástico: para estudar a política internacional, se há algo desfasado é, realmente, a pureza.
ARGUMENTOS OLEOSOS: Para os idiotas da praxe, o editorial do último Sunday Telegraph não tem preço:
The anti-war lobby is wrong to say that the prospective war in Iraq is all about oil. President Bush had shown little interest in military intervention in the Middle East before the unprovoked attack on the World Trade Center and consequent murder of nearly 3,000 of his fellow citizens. His campaign against Saddam Hussein emerged as an extension of the war against terrorism. But it is not wrong to say that the incipient war is partly about oil. A concern over oil supplies was fundamental to the decision by the first President Bush to challenge Saddam Hussein's invasion of Kuwait in 1990. Saddam Hussein remains a threat to his neighbouring oil-producing countries in the Middle East, and it is certain that this has added to America's resolve to remove the Iraqi dictator from power. Merely to make the point that oil is a factor in America's battle against Saddam Hussein does not, however, concede the case against war. Those who use the argument "It is all about oil" need to explain why the defence of energy supplies does not deserve support. The implication of the anti-war lobby seems to be that oil is a frivolity. Oil, to many on the Left, is a symbol of global inequality and the irresponsible American way of life, with its air-conditioned homes, gas-guzzling cars and ice-makers. Some would welcome a rise in oil prices as retribution for the harm Western consumers are supposed to have wrought upon the global environment. But this is a crude and distorted view of the role of oil in the modern world. It is not just overweight American motorists who would suffer from an interruption in oil production: there is not a country in the world whose economy is not now dependent on oil. Thanks to industrialisation in the Third World, a lack of easy access to Middle Eastern supplies now would cause an even bigger shock to the global economy than did the vertiginous rise in oil prices in the early 1970s. Particularly at risk would be rapidly-developing nations, which could be forced back into poverty. Thirty per cent of India's energy consumption now comes from oil, most of it imported from the Gulf. The third biggest consumer of oil is now China; imports have soared over the past decade, not just because pedal-power has given way to the motor-car, but because the factories and agricultural machinery that help to lift people out of poverty are copious users of oil. In fact, at present, America has less reason than most countries to be concerned about supplies of Middle Eastern oil. Fourteen per cent of oil consumed in the US is produced in the Middle East, compared to 19 per cent of oil consumed in Europe and 76 per cent of oil used in Japan. It is far from ideal that the world is so dependent upon Middle Eastern oil, but it is an unavoidable fact of geology that more than two thirds of the world's known oil reserves are in the Middle East. Nuclear energy has failed to live up to its promise and alternative sources of energy have been slow to emerge. As lesser reserves of oil such as the North Sea are depleted and more countries undergo industrialisation, the world faces still greater dependence on Middle Eastern oil. It would be an intolerable situation if one aggressive dictator were to be allowed to hold the global economy to ransom. Saddam Hussein has twice invaded his neighbours and, in the case of Kuwait, assumed control of its oil reserves. With the prospect of the Saudi royal family, upon whose friendship the West has relied heavily for oil supplies for the past half century, losing power to an altogether less amenable regime of the sort advocated by Osama bin Laden, the role of Iraq in keeping the oil flowing becomes ever more important. Unlike the last Gulf War over Kuwait, oil is not, despite the confident assertions of such renowned geopolitical thinkers as Jeremy Clarkson and the Bishop of Bath and Wells, central to the current looming conflict. But if, as a result of the overthrow of Saddam Hussein, Western companies were to be invited in to restore oil production in Iraq and to maintain it without interference from the arbitary rule of dictatorship, it would be a wholly beneficial outcome, not just for America and the West, but for the entire world.
LIÇÃO DE AVISO: Em 1995, perguntavam a Paulo Francis, um dos maiores colunistas do Brasil:
Você é frequentemente criticado porque teria se transformado de revolucionário em conservador. Aceita tais críticas?
Resposta de Paulo Francis: Passei de criança a adulto. Eu era uma criança que confundia desejo com realidade. Eu tinha certos desejos, que eram fraternais com relação à minha situação privilegiada e à situação desprivilegiada de outras pessoas. Mas descobri, ao ver o mundo aí fora, que a maneira de resolver esses problemas não é a maneira pregada pelos principais grupos populares do Brasil. A grande transformação foi esta. Vi que os países ricos são países que se abrem para o capital e fazem iniciativa privada. Como é que você vai empregar os brasileiros sem iniciativa privada?
POR UM CANUDO: A revista Prospect lança o debate: deve a Grã-Bretanha ter universidades de elite? Dezenas e dezenas de universidades capazes de competir directamente com os Estados Unidos? A resposta é parcialmente negativa: não vale a pena apostar todos os recursos no ensino universitário quando a riqueza cultural de um país não se mede, apenas, pelo número de licenciados. A França percebeu isso. A Alemanha percebeu isso. E não morreram com o desgosto. Nós, obviamente, concordamos. E achamos que o debate deve estender-se rapidamente a um país que, juntamente com licenciaturas delirantes e mestrados fraudulentos, continua a perpetuar uma triste mentalidade de bacharel, típica do século XIX. Respeitamos o senhor «doutor» e tratamos reverencialmente o senhor «doutor» - mesmo que ele não mereça o título - mas, em contrapartida, não temos uma revista literária digna de nome, uma edição decente dos clássicos e uma canalha errante que leia com prazer. O ensino universitário deve ser elitista na exigência e diminuto na quantidade. De resto, cabe à «sociedade civil» contribuir para a discussão artística e cultural do país sem precisar da frondosa sombra das Academias. Até porque as nossas Academias, coitadas, só darão verdadeiramente à luz no dia em que alguém lhes deitar fogo.
BOA COMPANHIA: Eis que se manifesta clamorosamente contra a guerra, ou por outra, pela guerra e pela derrota dos americanos, o inacreditável Vladimir Jirinovski. É muito bom não o ter do nosso lado.

domingo, janeiro 19, 2003

JÁ CÁ FALTAVA O VASCONCELOS: Porque é que tanta gente de esquerda, sobretudo ligada ao PS, escreve sobre o mirífico «serviço público de televisão»? Simples: eles não querem que desapareça o acesso à propaganda.
AJUDEM-NOS: Temos procurado, nas nossas três bibliotecas, fundamentos marxistas para o pacifismo. Mas não devemos ter esse volume.
INTELIGÊNCIA: Ao contrário do que escreve o Blog de Esquerda (com quem passámos a polemizar saudavelmente), não nos pretendemos, aqui na Coluna a «direita inteligente». Por duas razões: por falta de vocação para o auto-elogio e porque não passamos um atestado de estupidez a outras direitas que não a nossa, nem a qualquer outro quadrante ideológico. Reclamamos apenas o direito de argumentar, em plano de total igualdade intelectual, com a esquerda, coisa que em Portugal é considerada uma aberração.
SAMPAIO: Jorge Sampaio, no prefácio às suas intervenções, pré-publicado pelo PÚBLICO, diz que o PR não deve ser interventor mas moderador, afastando-se do modelo eanista e soarista. E será que doutro modo poderia alguma vez ser chamado «o presidente de todos os portugueses»? É certo que o sufrágio universal lhe dá uma legitimidade única, mas o PR deve resolver e não agravar as pequenas e grandes crises da vida política, sob pena de ser um guerrilheiro numa batalha institucional lamentável. Só em situações gravíssimas pode e deve o PR assumir um protagonismo que cabe, na normalidade democrática, aos órgãos legislativos e executivos. Sampaio tem sido um PR sensato. Não temos a certeza que um Presidente de direita o seja também.
THE PRESS: Aprovamos a redução de caracteres a Maria João Avilez, Ruben de Carvalho, João César das Neves e outros que nem merecem menção. Não aprovamos a redução de caracteres a Vasco Pulido Valente, Miguel Portas, Villaverde Cabral, e talvez outros de que não nos recordamos. Forramos o caixote com: Duarte Lima, Manuel Maria Carrilho, Mário Soares, José António Saraiva, Manuel Alegre, Manuel Monteiro, isto é, com o EXPRESSO.
CIDADÃOS AUTO-MOBILIZADOS: Aqueles que acusam a América de ir para a guerra por causa do petróleo, devem com certeza locomover-se a riquexó.
MAIS PENSAMENTOS SIMPLISTAS: Passamos a citar:

Why do we need evidence of a stash of anthrax or sarin to convince us that Saddam, the gasser of the Kurds and butcher of Baghdad, should be overthrown? Hans Blix and his UN inspection team issued an interim report in New York last week. They found no weapons of mass destruction, so war, it seems, will not come this month. Why does this make so many on the left relax? What has become of the left that argued that we had a moral responsibility to defend our fellow humans from fascist dictators? By taking the route of hunting for WMD, and only accepting the overthrow of Saddam on those grounds, we have made a crucial mistake. The greatest possible evidence for this is that, while some in the West celebrate today, the Iraqi people will be weeping. Who, you may be asking incredulously, would want their country to be bombed? What would make people want to risk their children being blown to pieces? I thought this too until, last October, I spent a month as a journalist seeing the reality of life under Saddam Hussein. Strangely, it's the small details which remain in the memory, even now, three months later. It's the pale, sickly look that would come over people's faces when I mentioned Saddam. It's the fact that the Marsh Arabs - a proud, independent people who have seen their marshes drained and been "relocated" to tiny desert shacks - are forced to hang a small, menacing picture of Saddam in their new "homes". It's the child wearing a T-shirt saying "Yes, yes, yes to Daddy Saddam". If Britain were governed by such a man, I would welcome friendly bombs - a concept I once thought absurd. I might be prepared to risk my own life to bring my country's living death to an end. Most of the Iraqi people I encountered clearly felt the same. The moment they established that I was British, people would hug me and offer coded support (they would be even more effusive towards the Americans I travelled with). They would explain how much they "admire Britain - British democracy, yes? You understand?" This evidence is, admittedly, anecdotal, and I would be wary of supporting a war based on my own impressions. But now there is concrete evidence. The International Crisis Group, a Brussels-based independent think-tank, by no means pro-war, conducted extensive interviews with the Iraqi population last year and, as their report explains, "a significant number of those Iraqis interviewed, with surprising candour, expressed their view that, if (regime change) required an American-led attack, they would support it. The notion of leaving the country's destiny in the hands of an omnipotent foreign party has more appeal than might be expected - and the desire for a long-term US involvement is higher than expected." There are important conditions, however, attached to Iraqis' support for the war. They expect it to be quick - one person I spoke to said that "the few soldiers who fight for him will be defeated in a weekend," as happened in 1991. The extremely unlikely scenario of a protracted, Vietnam-style conflict would almost certainly lead to a change in their attitudes. And, crucially, the Iraqi people expect the Americans to help to rebuild their country after the war. This, surely, is what we should be marching in the streets for - not to oppose a war that will remove one of the world's worst dictators, but to secure a guarantee from Blair and Bush that after the conflict we will stay and help its people to build a peaceful, federal, democratic Iraq. Those who scorn this possibility, either with the racist notion that Arabs are incapable of democracy or with a fashionable cynicism about political progress, should remember that their sneers could equally have been directed towards post-World War II Japan and Germany. The Japanese had no history of democracy or freedom, and the Germans had only the memories of the disastrous Weimar Republic, but American occupations oversaw their transformations into successful democracies. We must campaign, then, to make sure that Iraq becomes a Japan or Germany and not an Afghanistan, bombed and then starved of the funds it needs to establish stability and basic human rights for its people. There is more hope for Iraq because its people are highly educated, it has a developed infrastructure, and because it would be morally obscene if the profits from Iraq's vast oil reserves did not go towards rebuilding the country. It is time that, in light of the ICG report, we in the West admit that we have misunderstood the Iraqi people's position. We have been acting as though an attack on Saddam would be the beginning of another hideous ordeal for the population, the interruption of an otherwise peaceful situation. In fact, as the ICG report explains, "for the Iraqi people, who since 1980 have lived through a devastating conflict with Iran, Desert Storm, sanctions, international isolation and periodic US-UK aerial attacks, a state of war has existed for two decades already." Do not imagine that if we fail to act, the Iraqi people will be left in peace - quite the opposite. Nor can we criticise this war, as figures such as Tariq Ali have, as an "imperial adventure". The Iraqi people are already living under imperial occupation. The 80 per cent of the population who are Shia Muslims live under the imperialistic rule of the minority Sunni clique with whom they feel no common identity. You might be thinking, "but they are all Iraqi - it is not foreign occupation". If so, you are misunderstanding the nature of Iraq. This is an artificial state created by Europeans in 1921 at the end of the Ottoman Empire, comprising many divergent groups (Kurds, Shia, Sunni, Christians, Jews and more). We have no reason to believe that they now have a collective national identity, so to be ruled by a Sunni is indeed akin to being under foreign occupation. Would you rather be ruled indefinitely by a totalitarian imperial ruler who will cling to power down to the last bunker, or a temporary American imperial ruler who might offer a democratic and stable future? If your hatred of Dubya overwhelms your hatred of Saddam, then I sympathise - that is the reason why I, too, once viewed this war with dread and contempt - but I strongly suspect that if you were confronted with the reality of Saddam's Iraq, you would change your mind. Of course, forming an alliance with George Bush is an unpleasant experience, but we formed an alliance with Stalin to defeat Hitler. It is also possible that Bush, like his father, will betray the hopes of the people of Iraq - and we must campaign to prevent this. We do not need President Bush's dangerous arguments about "pre-emptive action" to justify this war. Nor do we need to have the smoking gun of WMD. All we need are the humanitarian arguments we used during the Kosovo conflict to remove the monstrous Slobodan Milosevic - and this time, we can act in the certain (rather than probable) knowledge that the people being tyrannised will be cheering us on.

Não se trata, manifestamente, de mais um «neo-conservador» delirante. Johann Hari publicou este texto no Independent, e dá voz, por uma vez, a uma esquerda que não põe o anti-americanismo acima da questão que está em causa. Pensamento «primário» e «simplista» (i.e., não-marxista), como diriam os nossos amigos do Blog de Esquerda (http://blog-de-esquerda.blogspot.com)?. Bom, mas isso quer dizer que todos os que são favoráveis ao ataque a Saddam são primários e simplistas? Assim, a discussão fica realmente impossível. Há boas razões - e boas razões mesmo de esquerda, como este artigo prova - para fazer esta guerra. E o que dizemos é que existem guerras justas, e que não apoiamos o lugar-comum pacifista de que não há nunca bons motivos para uma guerra, que, por outras palavras, não há nunca razões pelas quais valha a pena lutar, como diz o artigo da NRO que citámos há dias. Lutar com palavras, com diplomacia? Muito bem. Mas as palavras nem sempre resolvem. Ou será que Nicolau II foi derrubado com artigos de opinião?