sexta-feira, janeiro 10, 2003
VOLTA, JANUÁRIO, ESTÁS PERDOADO: Um remédio infalível para o desastre? Pôr um microfone em frente de um bispo.
JOÃO AMARAL: Não é segredo que a direita gostava de João Amaral. Porventura as razões seriam sobretudo formais: os fatos de bom corte, belas gravatas, discurso ameno, um aspecto de príncipe, motivos bastantes para que a muitos parecesse um homem imensamente «civilizado», muito diferente portanto de todos os Jerónimos de Sousa do PCP. Mas é impossível não relembrar alguns equívocos do seu percurso recente. Em primeiro lugar, João Amaral já não era comunista; era quando muito um marxista, mas nada tinha a ver com o estafado leninismo da praxe (já para não falar do estalinismo). Depois de Barros Moura, Pina Moura, Judas e outros, João Amaral podia ter sido mais um ex-comunista em trânsito para o PS; mas sempre resistiu a essa mudança, talvez para não dar razão aos ortodoxos do PC que o apontavam à partida como um trânsfuga. Continuava a considerar-se comunista por razões talvez afectivas, mas estava já noutra geografia política. Claro que se pode falar em «generosidade» (tentar mudar, para seu bem, um partido autoritário e dogmático) mas também em ilusão fatal, para não falar numa tardia percepção da verdadeira natureza do Partido Comunista (de todos os partidos comunistas, mas em particular do português). Essa foi a segunda ilusão de Amaral: o PCP é irreformável. A força do Partido vem do capital ganho como principal força oposicionista ao que chamam o «fascismo», à irradiação da URSS e ao atraso económico português. Ora, as gerações passam, e a maioria dos eleitores já não vota num partido por causa do «anti-fascismo», nem valoriza um político pelo número de anos que passou no Tarrafal. Quanto à URSS, sofreu o conhecido, e algo inesperado, colapso. E, talvez mais importante, Portugal modernizou-se, com o consequente «aburguesamento» da população, que só quer agora as delícias (mesmo que espúrias) da televisão e do consumismo, e se está nas tintas para discursos pesadamente ideológicos, baseados ainda por cima numa análise da sociedade datada e, nalguns casos, francamente reaccionária. O movimento dos «renovadores» nunca iria, nunca irá, a lado nenhum, ainda mais tendo perdido dois dos seus melhores homens, Luís Sá e João Amaral, em tão pouco tempo. Está agora reduzido a figuras menores, sem peso político e mediático (com excepção do bizarro «renovador» Carlos Brito), imensamente minoritários no partido, quando não progressivamente afastados dele, como Edgar Correia. O PCP caminha em apagada tristeza para o seu fim, desmembrado à direita pelo PS (veja-se as autarquias) e à esquerda pelo Bloco (que capta todos os esquerdistas com curso universitário ou gosto pelo sexo anal). Se se renovasse, acabava. Se não se renovar, acabará. É pena que homens com a inteligência e a capacidade política de João Amaral continuem a insistir nessa ilusão. Mas, como demostrou pormenorizadamente François Furet, a história do comunismo é a história de uma ilusão.
ANA, JOANA E AS OUTRAS: A SIC Notícias fez dois anos. Rigor, informação, actualidade, independência, inovação, competência, tudo isso é bonito. Mas bonito, bonito...
AINDA CABEM MAIS: Será trágico levar a investigação a autarcas até às últimas consequências? Nem por isso; até aos 305 ainda cabem lá mais.
BANHO TURCO: Situação caricata: a esmagadora maioria dos comediantes europeus recusa qualquer apoio aos Estados Unidos e à estratégia «belicista» de Washington. Mas a Turquia, onde o americanismo não abunda, já declarou a sua simpatia por Bush. Compreendendo a dimensão estratégica da guerra em curso, assim se percebe o desprezo que a Turquia recebe de Giscard e quadrilha, pouco disponíveis para aceitar os turcos no clube. Uma União onde cada membro pensasse pela sua cabeça seria o fim da confraria.
ADEUS AO TACHO: O governo tenciona acabar com as progressões automáticas na função pública. Durante anos, e por herança do Estado Novo, reinou em Portugal a triste ideia de que um emprego do Estado era garantido, razoavelmente indolor e para toda a vida. Todos conhecemos cenários mais ou menos grotescos de senhoras e cavalheiros que, em nome do funcionalismo público, começavam logo a pensar na reforma desde o primeiro dia de trabalho. Esse mundo acabou. E tenderá a acabar em Portugal. Se houver coragem para liberalizar a sério o mercado de trabalho, promovendo o mérito e a responsabilidade pessoal, talvez o nosso irremediável atraso comece a desaparecer.
quarta-feira, janeiro 08, 2003
CAMARADAS: O nosso coração polémico rejubila. Temos, finalmente, companhia: dois bravos rapazes (e amigos aqui da casa) decidiram lançar um blog esquerdista, para contrabalançar a nefasta influência da malta das direitas, e castigar, sem que as mãos lhes doam, a globalização, o capitalismo, e outras malvadezas. São eles José Mário Silva e Manuel Deniz Silva. Os manos Silva. Honrados almadenses, agora a residir em Lisboa e Paris, respectivamente, são do melhor que a canhota tem para oferecer. Zé Mário é um incansável e excelente editor do DNa (onde dois de nós publicam, aliás, as suas larachas), um homem cultíssimo (como poucos da sua geração), um poeta de grande elegância e solidez (nada de lamechices «espontâneas») e uma pessoa de forte sentido de humor, de lealdade e de decência (mistura rara). Na verdade, tem tão bom feitio, que não se percebe como se sente à vontade com os seus companheiros ideológicos, crispados, iracundos, ressentidos. É um esquerdista que adora Borges, um melómano dedicado e sabedor, e acima de tudo um bom amigo. Manuel (o Manel) é bem diferente do irmão mais velho. Não com certeza na inteligência nem nas qualidades pessoais. Mas é um esquerdista muito mais fervoroso, ideológico vinte e quatro horas por dia, e ao serviço exclusivo da luta de classes e da Revolução, sem tempo para brincadeiras políticas. É também um fenómeno raro: um marxista que leu Marx. E não apenas Marx: o Manel conhece de cor todos aqueles livros que se compram por vinte cêntimos na Feira do Livro, com títulos como Crítica Metodológica ao Materialismo Vulgar no Contexto da Revisão da Segunda Secção do Programa do Partido Comunista Húngaro, Definida no seu Congresso de 1954. A sua ferocidade vai ao ponto de ser capaz de achar muito bem os fuzilamentos do clero na Guerra Civil Espanhola e ver com alarme o facto de nos jogos da selecção se cantar o hino nacional, perigoso indício nacionalista. Não quer tudo isto dizer que o Manel seja intratável, pelo contrário: discutir com ele é um prazer. O Manel, que neste momento vive em Paris, divide o seu tempo entre uma tese adorniana sobre o estadonovismo na música erudita portuguesa (o homem vai ser o novo Mário Vieira de Carvalho), a sua namorada parisiense (ena) e furar os pneus do Audi do sr. Sarkozy (ok, esta última é inventada). Esta formidável dupla pode agora ser lida diariamente no seu «Blog de Esquerda» (o título é ZMS vintage) em http://blog-de-esquerda.blogspot.com. Vale a pena dizer que os rapazes, comunistas de longa data, aderiram ao BE, o que nos deu um grande desgosto. Bem sei que intelectuais com menos de 65 anos são coutada do Bloco, e não do PCP, mas temos pena de os ver trocar, como dizia um esquerdista de 68, o direito à greve pelo direito ao orgasmo. Apesar do nome, o blog é independente de partidos, tal como o nosso. São, a partir de agora, os nossos mais directos rivais. Ou será melhor dizer: camaradas.
BIN FREITAS: Infelizmente, não faltarão oportunidades de aqui na Coluna fazermos uma análise (autópsia?) de Freitas do Amaral, dada a frequência crescente dos seus desvarios. Mas foi hoje instrutivo ouvir Miguel Portas a louvar a «lucidez» do Professor em matérias internacionais. É o primeiro sinal da aproximação entre Freitas e o Bloco de Esquerda? Os impagáveis bonecos da Contra-Informação j á tinham sugerido uma candidatura bloquista do homem «rigorosamente ao centro», mas só depois de passar por três provas: desenhar um grafiti, ir a um bar gay e fumar um charro. Diogo, encore un effort...
A PRESIDENTE : A presidente Fátima Felgueiras foi ontem detida e ouvida em Tribunal por alegados crimes de corrupção. E o PS reuniu-se de emergência no Rato para decidir se abandonava a senhora ou se persistia no descarado apoio político que lhe deu nas últimas eleições autárquicas. A conclusão acabou por ser simples: D.Fátima deverá renunciar ao mandato, exigência que, segundo o PS, é a única realmente coerente com a posição assumida pelo partido em relação a Paulo Portas. Não vale a pena comentar esta mudança de posições dos dirigentes socialistas nem a sua extraordinária insistência em criminalizar a responsabilidade política (assunto a que voltaremos um dia destes). A verdade é que os avisos de Barros Moura e de outros dirigentes que conheceram de perto o quotidiano da Câmara de Felgueiras, foram categoricamente ignorados por Jorge Coelho e Narciso Miranda, que (ao contrário do que receitava Mark Twain), na dúvida, não escolheram aqui a verdade. Supomos que não é preciso dizer que Fátima Felgueiras pertence àquela estirpe de autarcas, que inclui também nomes como Avelino Ferreira Torres e apaniguados, que não se dá muito bem com críticas e com oposições – coisas que dispensaria perfeitamente -, gente que cultiva séquitos fiéis e funcionários obedientes, que tem da democracia uma noção falsa e plebiscitária e que acredita sempre no que diz, mesmo sem qualquer credibilidade. Há ainda o povo, que ontem oferecia a Fátima Felgueiras a sua inquebrável e comovedora confiança. Como qualquer tiranete local, Fátima Felgueiras serve-se do povo para alimentar a sua putativa legitimidade. Nós não alimentamos visões românticas do povo e da sua sabedoria. Quando o povo é estúpido, é estúpido. Quando escolhe mal, escolhe mal. Por isso, e há muitos outros exemplos, não nos esquecemos do que disse um dia o popular Collor de Melo: «não há dúvida que tenho uma íntima relação com as massas pobres». As massas pobres seguiram-no. Conhecem-se os resultados.
terça-feira, janeiro 07, 2003
BULAS DA COOPERATIVA: A FNAC, como sabemos, começou por ser uma cooperativa trostskista de comércio «alternativo», como entre nós foi esboçado pela Abril em Maio, que vende os LP's originais de Zeca Afonso, posters Aliança Povo / MFA, folclore ameríndio e saquinhos de cannabis para plantar no quintal. Só que em Franaça, onde a coisa nasceu, os cooperativistas foram surpreendidos pelo sucesso: vender bens culturais bem escolhidos e a bons preços era, imagine-se, uma ideia que cativava bastante o capitalismo, e os consumidores em geral, esquerdistas ou não. Por isso, Trotsky que se quilhe, e a empresa começou a crescer, internacionalizou-se, e hoje é uma das cadeias de lojas de referência. Em Portugal, a FNAC tem sido um sucesso estrondoso, num momento em que outras megastores falharam (Virgin, Valentim de Carvalho). Duas lojas em Lisboa, depois no Porto, em Cascais, em Almada, ir à FNAC tornou-se sinónimo de consumos culturais interessantes, com particular destaque para a pop alternativa e a literatura estrangeira, mas também DVD's, material de fotografia, áudio e vídeo, e assim por diante. Perante o duplo fenómeno do fecho de muitas livrarias tradicionais e da massificação obscena do livro nos hipermercados, comprar na FNAC é quase uma obrigação. Aqui na Coluna, somos beneméritos da FNAC, se somarmos os gastos mensais destes três consumistas culturais. Quando se chega de um país civilizado - aqueles onde há, entre outras coisas, bons jornais e boas livrarias - a FNAC é o oásis por entre a decepção, diríamos mesmo a tristeza, que é a pátria. Feito os elogios devidos, deixamos aqui também uma crítica, sobretudo no que diz respeito à FNAC do Chiado, indubitavelmente a mais bem abastecida; caros senhores, se têm uma oferta diversificada de música, de cinema, de ficção e poesia, de ciências sociais, porquê o crivo tão estreito no catálogo de política? Chomsky é um linguista muito respeitável (e autor de teses altamente conservadoras), mas será o principal autor político contemporâneo, como se deduz das prateleiras da FNAC? E quando não é Chomsky, é Edward Said, Bourdieu, Ramonet e sus muchachos, palestinianos manhosos, autores da Routledge e da Verso, editoras excelentes mas não exactamente ecuménicas, etc. Para contrabalançar, um Aron aqui e ali, e temos dito. Será que não existe um Roger Scruton? Um Paul Johnson? Os neo-conservadores americanos? Leo Strauss? Berlin? Aqui na Coluna, adoramos ler a esquerda - quer a séria, quer a lunática - porque aprendemos sempre alguma coisa, ou nos divertimos um bom bocado. Mas a esquerda, pelos vistos, acha que não vale a pena ler a direita, até porque, como disse uma vez um dos nossos lunáticos deputados esquerdistas, a direita não tem ideias, só tem bancos (era bom, era, que jeito nos dava para o blog...). Bem diz o francês: é extraordinário onde encontramos os novos reaccionários...
segunda-feira, janeiro 06, 2003
IDEIAS SIMPLES: Não, não vamos fazer antevisões sobre o que será o novo ano. Na política como na vida, muitas certezas não resistem à contingência e à arbitrariedade dos factos. 2003 é um ano sem eleições e isso significa, pelo menos, que ninguém vai andar por aí a correr com promessas de indizível felicidade para os nossos destinos. Chega de ilusões e de romarias. Precisamos, acima de tudo, de sensatez e de normalidade. E de um projecto para a nossa vida colectiva que seja credível, mobilizador mas essencialmente equilibrado. Neste tempo de desânimo (que não deixa de ser grotesco, considerando a euforia que o precedeu) há alguns simples conselhos em favor da nossa sanidade que gostaríamos de deixar. Primeiro, é bom que acabemos com esse triste hábito, tão português, de achar que ou não temos remédio ou somos tão bons que só podemos derramar pelo mundo os sinais da nossa esplendorosa competência. Segundo, é conveniente que deixemos de resolver problemas estruturais com soluções conjunturais. Os lamentos sobre a nossa irredimível pobreza são conhecidos e não adianta insistir. Assim como os diagnósticos sobre a nossa cultura de séculos, feita de dependência, medo e menoridade. Convém também eliminar, de uma vez por todas, a absurda irresponsabilidade em que governantes e autarcas têm alegremente vivido nos últimos anos. A confiança no poder e nas suas instituições é básica, se quisermos ter um mínimo de respeito pelo Estado. Pedir ao Estado só decência e racionalidade, nunca o paraíso. Renovar as actuais elites políticas, aquelas que lançaram meritoriamente as bases do regime e aquelas que se limitaram a crescer na sua dependência, era sensato. E fazer com que a política, ameaçadora quando comanda os nossos caminhos, nos ajude antes a tornar-nos mais donos da nossa vida, não era, diga-se, um mau princípio. Por fim, uma última evidência: convém que cada um de nós faça mais do que tem feito até aqui
domingo, janeiro 05, 2003
DUAS SEM TIRAR: Pois é, logo ao segundo dia falhámos, porque um de nós (no names, please) dormiu na forma. As desculpas aos nossos visitantes regulares. A emissão segue segunda-feira. Mas entretanto, duas curiosidades televisivas: 1) Quem terá enviado para os jornais a informação de que Bárbara Guimarães ia entrevistar no seu programa Manuel Maria Carrilho? O voyeurismo leva-nos a espreitar o programa e, afinal, trata-se de... Maria Carrilho. Maldades, pois claro. E nós que estávamos à espera de ouvir a boca de Bárbara a pergunta imortalizada por um concorrente do Big Brother: «Então, gostaste?». 2) Segundo a imprensa, Tomás Taveira comprou um terço do canal por cabo Vivir / Viver. A Coluna Infame está em condições de revelar que o arquitecto não só será capitalista como programador, prometendo, aos fins-de-semana, depois da meia-noite, divulgar alguns gostosos filmes caseiros.