quinta-feira, novembro 28, 2002

INDIGNIDADE: Acima da incompetência, acima da prodigalidade ou da estupidez, o que mais corrompe o poder de um país é a indignidade. A indignidade de governantes que, durante anos, andaram mudos, quando algo de grave, de criminoso, de abominável acontece e aconteceu sob os seus olhos. A indignidade de uma imprensa que esquece o dia de ontem com demasiada facilidade e que levanta nomes e acusa pessoas com uma perigosa ligeireza. A indignidade de um Ministério Público que não cumpre o seu dever de acusador, que não investiga o que tem que investigar. A indignidade de quem está à frente de instituições de ensino e condescende com a terrível, demasiado terrível predisposição humana para o mal e para a bestialidade. A indignidade de um país que cala o que sabe e assiste à demência com medroso e desumano silêncio. Esta é a nossa indignidade. Ao menos, que fosse uma indignidade visível; que fôssemos cabrões à luz do dia. Não entre cortinas, entre silêncios, entre criminosas lealdades.
A PRINCESA E O POVO: Sobre Diana, diz Theodore Darlymple, no City Journal: her deep inner emptiness reflects that of modern man, who distracts himself from it, just as she did, by feverish sensation seeking. Touché.

segunda-feira, novembro 25, 2002

E PORQUE NÃO AS SPICE GIRLS? Churchill acabou por ganhar o «título» de Maior Inglês de Sempre, numa votação que envolveu mais de um milhão de participantes. Eis o ranking: Churchill (27.9%), Brunel (24.1%), Diana (14.2%), Darwin (6.9%), Shakespeare (6.9%), Newton (5.2%), Elizabeth I (4.5%), John Lennon (4.3%), Horatio Nelson (3.1%), Oliver Cromwell (2.9%). Quem é Brunel, perguntam? Um engenheiro de pontes (sim). Quanto a Diana, estamos conversados. E também há um hippie na lista. Valha-nos Deus.

PÍLULAS A PORCOS: Vem aí a pílula masculina. Será desta que nos livramos do maldito latex?

FREAK SHOW: Quanto a Michael Jackson, o que dizer mais? Apenas que é o único homem que nos reconcilia com todas as formas de mortandade: aborto, homícídio e eutanásia.

FOI NO SÉCULO ONZE: Na Nigéria, o balanço do número de mortos aumenta. E tudo porque num jornal alguém julgou que os muçulmanos têm sentido de humor e ousou sugerir que o Profeta, se vivesse hoje, casaria com uma Miss Universo. E pronto: 500 mortos. É certo que as misses não deviam ter ido a um país onde há mulheres apedrejadas até à morte por adultério, é certo que a propria instituiçao de «Miss Universo» em 2002 soa a patetice «demodé», mas não é isso que importa agora. Há um inócuo concurso de meninas em vestido de noite e fato-de-banho, um jornalista tem uma sugestão irónica e inócua e: 500 mortos. Por favor, não nos venham falar do Islão tolerante. Isso, se bem se lembram, foi no séc. XI.

NEM UM MOMENTO: As criaturas caricaturais que gostam de caricaturar Manoel de Oliviera não merecem sequer atenção, misto de ignorância, má-fé e estupidez que são; mas trambém não podemos incensar o Mestre, nem sob o pretexto dos seus (aliás esplêndidos) noventa e quatro anos. O Princípio da Incerteza parece-nos uma Francisca menor, com o interesse acrescido de uma amor por interpostos netos, o que é delicioso para os perversos (e haverá agustinianos e oliveirianos não perversos?). Mas o videoclip para Pedro Abrunhosa, francamente, é absurdo. A sedução de Oliveira por Abrunhosa é difícil de explicar, e já teve consequências funestas em A Carta, que podia bem passar sem o rapaz dos óculos escuros. Mas o teledisco de «Momento» é de bradar aos céus. A canção , em si mesma, é um borrão de quinta categoria de «Se eu Fosse um Dia o teu Olhar», com umas pianadas e a pobre Cat, dos Eye, a fazer pela vida. Mas o teledisco é de um grotesco pendor ilustrativo, tentando encontrar imagens que redundantemente espelham a letra (fracota) de Mr. Abrunho. O videoclip é um género nobre (hello João Lopes) e nomes como John Sayles a Jarman ou Demme ou Fincher têm trabalhado nessa área. Na verdade, trata-se de um género inventivo por excelência, que não se compatibiliza com a banalidade deste pequeno trabalho de Oliveira. Abrunhosa, além do mais, como dele disse uma vez outro «has-been» (Herman) é uma mistura um bocado entendiante de Manuel Alegre e Prince, e depois pensa que derrubou sozinho o cavaquismo, o que é uma boa piada. Para além de ser um machista com capas progressistas, macho latino que pensa que deixa de o ser porque toca jazz, Abrunhosa não tem muito mais para nos oferecer, a não ser talvez, o aspecto agora envelhecido de chulo paraguaio de férias em Paris.

domingo, novembro 24, 2002

OS PADEIROS: O triste episódio do petroleiro gerou no burgo reacções de um anti-espanholismo primário que está a crescer em certos sectores da sociedade portuguesa. Cada Estado zela pelos seus interesses, mesmo que isso signifique sacanear os vizinhos. Isso é básico, e não há uniões europeias que modifiquem essa realidade. Bem como a realidade básica de que os mais fortes (neste caso economicamente) dominam os mais fracos, e por isso a Espanha está a transformar Portugal num grande Corte Ingles. Mas será que se pode querer outra coisa, sem impugnar a filosofia comunitária e as regras do mercado? Curiosamente, nunca ouvimos muitos dos que choram a «perda de independência» face a Espanha reflectir sobre a política de intergraçao europeia, que tem na sua essência (goste-se ou não) a consequência necessária de limitar as soberanias. Já para não falar de uns maduros que assinaram uma petição patriótica ou que criaram a Fundação Aljubarrota (palavra de honra), e que são nalguns casos os mesmos que venderam bancos a Espanha ou que são administradores do Corte Ingles. Um pouco de vergonha, meus senhores. Precisamos de uma visão nacional, mas francamente dispensamos a Padeira.
A VERDADE SOBRE O «PRESTIGE»: O sr. ministro do Ambiente é como se não existisse, e o sr. ministro dos Negócios Estrangeiros é perito em disparates, e assim quem assumiu a condução do dossiê «Prestige» foi Paulo Portas, que fez o que se lhe pedia: minorar os riscos para Portugal. Os críticos «a outrance» do ministro da Defesa são nesta matéria uns lunáticos ou uns irresponsáveis. Excepto talvez aqueles que acham que Portas aproveitou o caso paa brilhar. Mas mesmo esses não dão o passo que falta: é evidente que o crude tinha estado este tempo todo escondido no Largo do Cadas para ser espalhado em momento oportuno. Não foi o que fez Nero? Razão tem o infalível Saraiva: este Portas é capaz de tudo.
ÁUSTRIA: É uma boa notícia a vitória dos conservadores nas eleições austríacas, sobretudo pelo modo como conseguiram aborver dois terços do voto haideriano, fragilizando o partido radical numa possível coligação, ou tornando-o mesmo dispensável. Sejamos claros: Haider sempre nos pareceu um produto de marketing, uma figura quase irreal com os seus enormes colarinhos e o montanhismo e o «double talk» sobre o passado recente. É certo que não achámos que a civilização ocidental ia cair por Haider estar no governo, e que nos pareceu absolutamente lamentável a intervenção da União Europeia, com Chirac e Guterres à cabeça, numa atitude de inqualificável desrespeito pelas decisões democráticas de um país democrático. Os partidos chamados de extrrema-direita, com excepção do Front National, não têm ainda capacidade de manter uma votação constante, quer porque estão muito dependentes do carisma pontual seus líderes, quer porque os seus quadros não se entendem pessoal e doutrinariamente, quer ainda porque o exercício do poder esvazia grande aprte do seu discurso demagógico, que é um discurso oposicionista por excelência. Por isso o sr. Haider está reduzido aos dez por cento (tinha 26%), o partido de Fortuyn vai ter ainda pior resultado na Holanda, e assim por diante. A histeria esquerdista (e não só) de uma Europa com um peso assustador da extrema direita não tinha nem tem razão de ser: veja-se como os jornais da esquerda inglesa davam destaque à terrível eleição de um deputado municipal do British National Party na semana passada; pois bem, o BNP tem quatro (4) deputados municipais em toda a Inglaterra. Fazer soar o alarme por coisas assim leva a que depois esses avisos não sejam ouvidos quando o grito «lobo» signifique mesmo «lobo». O que importa é não ignorar certos descontentamentos em certos sectores das sociedades europeias, descontentamentos tantas vezes aproveitados por esses movimentos radicais. A Áustria resolveu por agora a sua questão com a extrema direita. Outros países se seguirão. Quanto à moralista Franaça, que trate de perceber o fenómeno Le Pen antes de propôr sanções a terceiros. Estes «democratas» não têm emenda.
O METRO: O artigo de António Barreto diz tudo sobre as obras do metro no Terreiro do Paço. Se se confirmar a decisão do Governo de acabar com a construção da estação do Terreiro do Paço, é bom que, desta vez, a culpa não morra solteira. Os responsáveis por uma decisão política (e pela sua execução) que custou milhões de contos ao país devem ser julgados e responsabilizados. Ponto final.
OUTRA VEZ GUTERRES: Primeiro, foi um senhor (António José Seguro) com pouco sentido de humor e uma carreira política feita de muitos cartazes colados, a observar que António Guterres tem ainda muito para dar ao país. Depois, foi o próprio Guterres a queixar-se, sorumbaticamente, da indefinição que paira sobre o seu confortável emprego no IPE. Guterres, que tem falado pouco, veio agora dar razão a Seguro apelando para o fim das off-shores. Não não pretendemos contestar esta oportuna declaração de Guterres. Nada nos move a favor dos paraísos fiscais que, na generalidade dos casos, se situam em países que não despertam o mais pequeno interesse (quem é que se interessa pelas Ilhas Cayman, por exemplo?). Mas a frase de Guterres não é importante por isso. Num momento crítico da política do país, de crise económica e financeira, de apertos orçamentais, de depressão colectiva, de ausência de uma estratégia comum, esperava-se que um ex-Primeiro-Ministro visse dizer alguma coisa de importante para o nosso futuro. Algo de substancial. Uma ideia, um objectivo, o que fosse. Algo que o reconciliasse até com os eleitores que nele votaram em 1995 e 1999. Mas não. Guterres é Guterres. O Código do Trabalho? A produtividade portuguesa? As empresas? O Estado? Não, diz Guterres, as off-shores. As luminárias do PS têm razão: o homem foi Primeiro-Ministro mas a sua vocação é para dirigente de uma organização internacional. Isto é, de uma qualquer benévola entidade, cheia de objectivos mas com pouco poder. O mesmo Guterres disse em tempos que não gostava de ter muito poder. Façam-lhe a vontade.