sábado, novembro 16, 2002

O SÉCULO DO POVO: Magnífico artigo de Rod Liddle, na Spectator, que sob o título «Diana Wins», disseca os mais recentes escândalos reais e não só. A citação é longa, mas vale a pena: «Caught on camera at a Remembrance service last week, Queen Elizabeth appeared, rather unexpectedly, to be crying. It was quite a shocking thing to behold: I had never seen our Queen cry before. Perhaps it was just the cold, dank weather getting to her, biting into her bones. Or maybe it was another of those confused and ill-advised attempts to be modern, something imposed upon her by her Blairite PR people. Crying is certainly the modern thing to do — as is, of course, hugging and touching and being, you know, really, really real. Poor, dead Diana cried and hugged and touched at the drop of a hat, or the opening of a children’s hospital ward, at least — and she’s officially now one of our greatest ever Britons, so there you are. Maybe before the service the PR people said, ‘Go on, Ma’am, let yourself go; you’ll feel better for it, love. Think of Princess Di.’ And so she cried. But it was more tempting to believe, at the time, that this was a tear shed for the rapidly dissolving edifice of which Queen Elizabeth II has been a dignified and admirable custodian. Certainly it has been a bad year for her, so far. Especially the last week or so. I assume there have been recent mornings when she could not bear to face the daily newspapers. Because it is only a matter of time before Roy Keane, Angus Deayton and Kylie Minogue’s famous bottom are revealed to have enjoyed coke-fuelled, below-stairs, gay and straight nine-in-a-bed romps at Buckingham Palace. (…) Nothing would surprise us any more about the House of Windsor and its simpering attendants, by which I mean those celebrity hangers-on as much as the valets, butlers, under-butlers, deputy assistant under-butlers and the chap — God knows what his title was — who filled Princess Margaret’s bath each evening with Victory gin and vermouth. (…) Grande parte da culpa vai para «Diana who, more than anyone else, adored the attentions of third-rate television entertainers and popstars, and was regularly to be espied artfully dipping those limpid blue eyes in their company. How her spirit and her values linger. How I wish they wouldn’t. (…) You’d cry if you could see it all coming apart with each revelation more sordid and damaging than the one which preceded it. The question, though, is does all this have any constitutional consequence or resonance? Or is it just an unending parade of salacious ephemera; a sort of infinitely long filthy joke played out for our benefit and, of course, at our expense? Scandal has accompanied pretty much every royal household since 1327, when the unfortunate (and possibly gay) Edward II was shafted to death with a red-hot poker. But previously such occurrences reverberated mightily in Parliament and, to a greater or lesser extent, shook the foundations and future direction of the state. Armies were marshalled; governments and even whole dynasties fell. Now the multifarious tales of buggery and betrayal evoke little more than a collective dry, shallow snigger — and shake nothing other than our willingness to continue forking out for their enormous annuities. Because, surely now, the deference has gone, and with it the regal authority. And this is the central paradox of our age: we demand that the royal family follow the example of Diana and wreathe itself in hugs and smiles and tears, become ‘accessible’, and then, when it does our bidding and behaves like the presenter of a day-time television chat show and reveals itself to us warts and all, we rightly kick it in the face and refuse to take it seriously. This is, after all, how we treat our television celebrities. They are disposable things, with the shelf-life of a portable CD player rather than the longevity of a thousand or so years. The stuff we like about them — their flaws and their closeness to us — are inevitably the things which bring them down. So it is with our modernised royal family. You can’t have deference and accessibility. Liddle é também implacável com a deriva suicida dos Tories: «Of course, the royal family is not the only British institution being destroyed from within by the disease which I suppose we might call Dianitis. The Conservative party has, latterly, found itself enmired in her ghost’s sickly embrace, too. By this I mean the awful, desperate wish to be loved by people and, in turn, to smother them with love in return; to assure them it’s not their fault, whatever the problem is — even if it is their fault — and to shy away from saying anything which might be construed as — heaven forgive us — ‘exclusive’ to any one of a plethora of minority (or majority) social groups. To be a ‘Nice’ party has become pretty much the sole aspiration; and what we are left with, then, is a frankly sinister collection of caring, smiling people in leopard-skin shoes with fuck-me heels. Does it work as an electoral ploy? I’m not so sure. It doesn’t seem to. For a start, the bulk of Conservative activists, in my experience, have not the slightest wish to be indiscriminately nice to everybody. Or even anybody. They have an ideological investment in a way of life that, above all, values the personal and private responsibility of the individual; that, in the end, is why they are Conservatives. If the Conservative party does not stand for such a simple but profound principle, what, then, does it stand for? What, exactly, is it trying to conserve? What is its point? (…) The truth is that both of these national institutions — the royal family and the Conservative party — have been coerced by events into donning clothes which sit upon them uncomfortably and appear, at times, palpably absurd. The ruse hasn’t worked and the collateral damage has been so great that it may even be too late to save either of them from themselves. To judge from her tears, one wonders, too, if the Queen thinks it even worth the effort, or whether, instead, it might be better simply to tiptoe gently away and turn down the gas in the hall».

sexta-feira, novembro 15, 2002

THE HORROR: Morreu Myra Hindley. Talvez o nome não diga muito a quem não vive em Inglaterra, mas Hindley foi uma das personagens mais tristemente célebres (e odiadas) da segunda metade do século passado. Acusada, com o seu companheiro e mentor Ian Brady, do rapto, abuso sexual, tortura e homicídio de cinco crianças e adolecentes, foi com ele condenada à morte em 1966, tendo ambos acabado por beneficiar da extinção da pena de morte, que entrou em vigor nesse ano. Brady está ainda preso, Hindley viu o fim dos seus dias na cadeia, aos 60 anos, e depois de passar trinta e seis encarcerada. Em Inglaterra, ninguém se esqueceu. E não apenas dos crimes: também da famosa fotografia de Myra com um perturbador olhar de Medusa, da frieza na expressão quando soube a sentença e, sobretudo, da terrível e sádica gravação da tortura de uma das crianças. Nessa época, este tipo de crimes ainda não estava diariamente nas páginas dos jornais, como hoje. Hindley e Brady representaram, na «sonhadora» década de 60, uma violenta irupção do Mal, na sua faceta mais tenebrosa. Ao que parece, Myra ter-se-à arrependido, e há alguns anos que se discutia a sua libertação. Não nos cabe avaliar. Parece também que se reconverteu ao catolicismo da sua infância e se tornou uma pessoa diferente. Também não é a nós que cabe esse juízo. Mas esta morte, vinda na mesma altura em que se sabe que o cérebro de Ulrike Meinhof, a terrorista alemã, foi secretamente extraído para que se estudasse a origem do Mal, pode servir para nos recordar de que o Mal não será encontrado na ponta do bisturi, nem se reduzirá nunca a «causas socais» marxistas, «patologias» positivistas, ou qualquer dessas pseudo-ciências; o Mal é parte integrante da natureza humana, e felizmente que a maioria de nós consegue viver uma existência inteira sem ultrapassar a gravidade de pequenas transgressões, delitos menores, males reparáveis. Ao lado disso há, sempre houve, aquilo a que Conrad, em Heart of Darkness, chama «the horror». O horror é o lado obscuro da alma humana, irredutivel a qualquer análise sociológica. Moralmente, somos imperfeitos, e por vezes mesmo abominaveis, como os eventos do século passado amplamente documentam. Podemos discutrir o que fazer, do ponto de vista jurídico, médico, educativo. Mas conviveremos sempre com o Mal. Uma temerária viagem pela internet confirma os piores diagnósticos. O que temos é de procurar outras forças que equilibrem a existência para o seu lado luminoso, ou ao menos inofensivo, sejam essas forças racionais ou irracionais. Paz à alma de Myra (e de Ulrike), como é óbvio. Mas não nos esqueçamos delas. Muitas outras criaturas assim existem, mesmo que guardem para si as suas negras fantasias. Cruzamo-nos, certamente, nas ruas.
UM PEQUENO PROBLEMA: Ferro Rodrigues já disse que não se conforma com o facto de a regionalização estar na Constituição mas não ser feita.
É preciso lembrar-lhe este pequeno problema: o povo, que não referendou a Constituição, conformou-se.

MÁS NOTÍCIAS DA AMÉRICA: Sabem quem se pronunciou contra a guerra no Iraque? A Igreja...americana. Bom, supomos que não devem ter outros assuntos que os preocupem.
BOAS NOTÍCIAS DA AMÉRICA: Uma das melhores notícias que resultam da vitória de Bush nas eleições intercalares é a sua maior margem de liberdade face à intratável Direita Religiosa. O reiterado apelo para que não se confunda os terroristas islâmicos com a maioria dos muçulmanos pacíficos, é um bom sinal. Bush cada vez precisa menos das franjas extremistas, e esperemos que tenha bom senso nos meses que se seguem. A vitória não significa carta branca para uma agenda radical que os americanos não aprovam. Mas, até agora, Bush só tem dado boas indicações de que sabe, como Reagan tantas vezes fez, manter o apoio da ala mais direita sem realmente ceder aos seus interesses. O homem não é parvo.

MISÉRIA POP: Os vencedores do prémios MTV Europe de ontem mostram bem o estado miserável da música pop «mainstream» nos dias que correm: Eminem, Jennifer Lopez, Linkin Park. Ou mesmo - por mais que tenha as nossas simpatias estéticas - Kylie Minogue. Bandas decentes, apenas os Red Hot Chili Peppers (para quem gosta do género) e os cada vez mais pobrezinhos Coldplay, os Radiohead-para-gente-saudável-e-imatura. Esta subrepresentação perpetua alegremente o estereótipo da música popular como pastilha elástica, o que é uma das mais vis injustiças culturais que se pode fazer. O triunfo da mediocridade dá assim razão aos sectores mais reaccionários - representados por exemplo pela excelente New Criterion - que declaram a total inanidade da cultura pop. E é pena que seja a cultura pop que lhes dê razão.

ASSIM FALOU ZARATUSTRA: Não vamos comentar a entrevista do dr. Soares, porque o dr. Soares só disse, em toda a sua vida, banalidades, e não vale a pena comentar banalidades. Mas é curioso como um homem que (tarde, é certo) impediu uma deriva comunista da revolução, foi correia de transmissão dos americanos, meteu o socialismo na gaveta como PM e foi um PR monárquico, apareça agora como um paladino da esquerda pura e dura. Não há dúvida de que o dr. Soares é um animal político, um homem corajoso, sem dúvida, mas que adora maquinar e manobrar e conspirar (ou não fosse ele fundador do PS), e o seu «pensamento» político é inconsistente, para não dizer inexistente: vejam como agora só sabe repetir as patacoadas contra a «globalização neoliberal», etc, etc. Curiosa é a reacção de alguns sectores do Partido Socialista, como deu conta o DN: «A entrevista de Mário Soares ao DN suscitou ontem reacções duras de alguns socialistas. As críticas dirigem-se ao facto de Soares ter considerado que o PS se deve afirmar como um partido claramente situado à esquerda, sem cedências para cativar o eleitorado mais ao centro. O ex-ministro dos Negócios Estrangeiros de Soares e de Guterres, Jaime Gama, em declarações à Agência Lusa, afirmou que uma deriva para a esquerda levaria o PS «ao museu eleitoral dos 20 por cento». Gama considerou que o partido não deve enveredar por um «masoquismo pseudo-identitário», mas antes afinar uma estratégia ofensiva, aberta e vencedora.» Ao DN, o ex-ministro recusou contudo assumir esta tomada de posição como uma resposta a Soares. Já José Lello, ex-secretário de Estado das Comunidades de Gama e um «gamista» de sempre, não hesita em contestar abertamente as posições do fundador do partido: «Defender uma viragem do PS à esquerda é um exercício de diletantismo que fica sempre bem. Mas outra coisa é governar, e o dr. Mário Soares governou sempre em coligações à direita.» Lello defende que o caminho do PS passa por «uma coligação com as forças progressistas e modernas da sociedade portuguesa». E quem são elas? «Tudo menos o PCP e o Bloco de Esquerda.» Acrescenta mesmo que qualquer abertura aos comunistas, na situação que atravessam, apenas contribui para «repor algo que se provou historicamente errado». António Costa, líder da bancada parlamentar, relativiza o diferendo ideológico: «Agora fazem-se críticas a uma aproximação à esquerda, mas também já se fizeram, a seguir às eleições, a uma aproximação ao centro. O que interessa de facto é fazer uma aproximação aos cidadãos.» Costa revê-se na opção de Ferro, expressa na sua moção ao congresso, de o PS avançar sozinho às europeias. Mas defende também que o partido deve apresentar-se só «a todas as outras eleições», ou seja, às legislativas. Dirigentes próximos de Ferro têm admitido, quando muito, a hipótese de acordos pós-eleitorais. O líder socialista tem adoptado um discurso em que estas questões são pouco marcadas. O secretário-geral procura assim evitar que o partido se divida em discussões sobre o seu próprio posicionamento ideológico, já que este é provavelmente o ponto com maior potencial para divisões internas. E tentará atravessar o congresso sem sair desta «linha média». Até na nova declaração de princípios, devidamente «esquerdizada» após a primeira proposta apresentada para discussão ter motivado protestos da ala esquerda do partido, Ferro Rodrigues opôs-se a excessos de linguagem esquerdista. Vetou pessoalmente, por exemplo, o termo «movimento anticapitalista». Estas discussões e realinhamentos não têm, portanto, a ver, com concepções ideológicas sérias, mas apenas com diferentes interpretações da rentabilidade eleitoral. O PS, assim, vai longe.

quinta-feira, novembro 14, 2002

OBVIAMENTE: No DN de hoje o super-moderado Sarsfield Cabral põe as coisas tal como elas são: «É de elementar justiça reconhecer o contributo do cristianismo para a civilização europeia, como também não devem ser esquecidas as suas raízes grega e romana. E não será descabido lembrar o papel do islamismo. Aristóteles chegou ao pensamento medieval europeu sobretudo através de filósofos muçulmanos. Tal como o Estado, a Europa política deve ser laica _ mas não laicista. Só mentalidades sectárias podem ignorar o papel da religião e a contribuição do cristianismo para a Europa. Mas reconhecer este facto histórico e civilizacional não significa pretender uma «Europa cristã», no sentido de excluir países onde a religião predominante seja outra. É assim inaceitável a oposição de Giscard d'Estaing à entrada da Turquia na UE. Decerto que a maior parte da Turquia fica na Ásia (mas Istambul está na Europa...). E que este país ainda tem um longo caminho a andar até preencher as condições para aderir à UE, como o respeito pelos direitos humanos, em particular das minorias. Mas já avançou alguma coisa, por exemplo ao abolir a pena de morte. Escorraçar a Turquia, membro da NATO, que desde 1963 mantém um acordo de associação com a Europa comunitária, seria fazer o jogo do islamismo fundamentalista e trair aqueles que, muçulmanos ou não, lutam naquele país por uma democracia moderna, separando a política da religião. Seria, também, não perceber quanto as sociedades europeias já são multiculturais e multirraciais _ e sê-lo-ão cada vez mais. Mas seria, sobretudo, perverter o espírito europeu de tolerância, liberdade religiosa e convivência democrática. Aquele mesmo que, apesar das cruzadas, da Inquisição e das guerras religiosas, o cristianismo ajudou a formar». Nada a acrescentar.

quarta-feira, novembro 13, 2002

A IDENTIDADE EUROPEIA: O que pensar de uma «investigadora francesa», de visita a Portugal para mais um colóquio sobre a Europa, que, no pico da inspiração, observa o seguinte: a identidade europeia consiste apenas em pedir aos EUA mais moderação na questão do Iraque? É isto a identidade europeia? Bom, parece que convém continuar com os colóquios.
É ISSO UNAS: Os sábios do país que discutem o serviço público de televisão como quem fala, digamos, de Plutão, deveriam ouvir o que diz Rui Unas sobre a temática. Diz Unas: «a televisão tem de ser um equilíbrio entre aquilo que as pessoas querem ver e o que as pessoas deveriam ver». Fica, claro, por saber que equilíbrio é esse. Mas numa simples frase, Rui Unas, que sabe fazer televisão e não se leva muito a sério (condição necessária para uma vida mental sã), diz mais do que muita prosa escrita sobre o assunto.
OS PEDAGOGOS: Uma ex-secretária de Estado da educação chamada Ana Benavente, titular de uma pós-graduação em pedagogia, escreveu um artigo no «Público» a pedir mais concertação na política educativa. Mais concertação? Se há matéria onde a esquerda falhou, e falhou rotundamente, é na educação. A sra. Benavente que tire umas férias.
ALGUÉM QUE PERCEBEU: Vicente Jorge Silva, agora deputado, reuniu algumas das suas crónicas e publicou Crónicas sobre o novo século. Vicente tem um estilo vigoroso (o estilo é o mais importante na crónica política) e uma grande parte da sua influência em quem o lê está nisto: ele acredita que o modo como uma pessoa pensa politicamente é o seu melhor retrato moral. As acções políticas dizem-nos muito: dizem-nos quem se recomenda e quem se dispensa, quem se aprecia e quem se detesta.Isto é certamente muito discutível e não é o melhor do seu novo livro. O melhor de «Crónicas sobre o novo século» está no facto de Vicente ter percebido o que está em jogo nos dias que correm. Há uma guerra em curso. Não é uma guerra contra o Islão ou, como os obcecados gostam de dizer, uma guerra pela hegemonia americana. E não é também (não sejamos tão parcos de espírito) o regresso da direita ao poder. É uma guerra pela liberdade: pela liberdade dos nossos valores contra quem os quer destruír, pela liberdade das nossas instituições, pela decência e pela seriedade intelectual, contra quaisquer formas de estupidez na vida política. O 11 de Setembro relembrou-nos que há inimigos. E os inimigos olham-se de frente e combatem-se. Há, claro, quem prefira outros exercícios e gritar contra essa guerra. Mas o que pensar de uma agremiação política que escolhe para seu aliado um tal de Saddam Hussein?

terça-feira, novembro 12, 2002

A GUERRA I: David Horowitz escreve hoje na Front Page que a esquerda americana foi contra todas as guerras que a América travou desde 1941: «During our lifetimes the so-called "progressive" Left opposed: 1. The War Against Hitler (until June 1941 when the Soviet Union was attacked) (1939) 2. The Cold War to save Turkey and Greece from Communist conquest (1947) 3. The Korean War (to save South Korea from Communist conquest) (1950) 4. The Vietnam War (to save South Vietnam and Cambodia from Communist conquest) (1964) 5. The War in Afghanistan to liberate Afghanistan from a Soviet Invasion (1979) 6. The War in Grenada to liberate the island from a Communist dictatorship (1983) 7. The War to liberate Central America from Communist dictators and guerillas (1983) 7. The War in Panama to liberate Panama from the rule of a narco thug (1989) 8. The Gulf War to liberate Kuwait from Iraqi conquest (1990) 9. The Balkans War to liberate Kosovo from Serbian rule (1999) 10. The War against the Taliban (2001) 11. The Bush Administration's plan to finish the War to liberate Iraq (2002). In other words, the progressive left has opposed every war that America has fought in living memory, and it has found ways to sympathize or actively support every enemy America has faced. What does this unbroken record tell you about the progressive left?». Claro que nem todos estes conflitos tiveram a mesma importância, but that's not the point; o que assim se revela é o modo como a esquerda ocidental (e americana em particular) não vê nenhuma guerra como boa, isto é, necessária, mesmo quando se trata de lutar contra regimes opressores, ameaçadores e belicosos. Há quem chame a isto pacifismo. Pensamos que tem um nome muito menos nobre.


O MORDOMO E OUTRAS BISBILHOTICES: A monarquia inglesa, único regime monárquico realmente contestado na Europa (em grande parte por culpa da própria família real), tem estado sob ataque da imprensa inglesa, tanto tablóide como esquerdista, por causa de mais historietas de confissões, segredinhos, cartas, prendas, quecas, etc. Numa peça realmente divertida no Guardian de hoje, apresenta-se (criticamente) uma das opiniões sobre o caso, que nos parece sensata: «Endorsed by none other than royal biographer, Ben Pimlott, who has dismissed the whole thing as "boring, frankly", this school thinks we should all grow up. The Butler-fest only tells us something we already knew: we are abjectly in thrall to celebrity gossip. As for constitutional significance: how, the long-viewers say, can this little of bit palace unpleasantness possibly compare with the sexual and fiscal vagaries of Charles II, the trials of Queen Caroline, the deeply felt hostility towards that goody goody, Queen Victoria? Besides, if you want a royal family, why complain that they're not like decent ordinary folk? Plotting, bossing and showing-off is what they are for». Noventa por cento deste novo «escândalo» é de uma trivialidade pruriente, que não interessa realmente a ninguém alfabetizado e com os romancistas russos de oitocentos por ler. Que a esquerda continue, mesmo além-Mancha, com um discurso sobre a vida privada alheia, é um lamentável sinal dos tempos. Volta, Kenneth Starr, estás perdoado.

OK, OK: Somos uns irrecuperáveis anglófilos e americanófilos, mas o que dizer de vinte por cento dos americanos que não acreditam que chegámos à Lua ou de uma maioria de ingleses que elegeram Diana uma das maiores figuras da História pátria? Bem, sermos pela democracia não equivale a acharmos que o povo tem sempre razão. A soberania popular não implica a sensataz popular. E as massas, mesmo nos países de que gostamos, são as massas. Não é, Endemol?
IMPORTA-SE DE REPETIR?: No seu livreco de crónicas escolhidas, JAS republica um texto de há vinte anos defendendo que foi injusta a extinção do Conselho da Revolução, uma ingratidão dos políticos para com os militares que lhes deram o poder. «Deram» o poder? Importa-se de repetir?
PIM: Perguntam-nos a opinião sobre o colapso do partido de Pym Fortuyn. Pois bem, o colapso era inevitável sem Pym Fortuyn. Sem o chefe carismático, com pouca ou nenhuma experiência política e falta de definição ideológica, tal movimento seria sempre um epifenómeno. Mas não é isso que importa: o que importa é que Fortuyn chamou a atenção para pontos essenciais, nomeadamente o de que a política de portas abertas é perigosa. E, sobretudo, que ser contra o Islamismo radical (não contra o Islão) é estar do lado dos valores liberais, e não ser um reaccionário. Que a direita «clássica» aprenda isso, e não tenha complexos. À esquerda nem vale a pena pedir que aprenda.
AH, LA DOUCE FRANCE: Em Paris, as prostitutas estão contra o Governo. Sempre é melhor do que estarem no Governo.
POUPEM NAS ESTRELAS, RAPAZES: Porque será que filmes medianos (como Blood Work, do nosso aliás muito estimado Clint) ou com evidentes debilidades (como Signs, já comparado a Hitchcock!) recebem cinco estrelas dos críticos? Então quantas estrelas teríamos de dar a Rio Bravo ou o Sétimo Selo? Um pouco de avareza astral, p.f.

segunda-feira, novembro 11, 2002

CASOS DE POLÍCIA: Primeiro foi o episódio, que, para desgraça da Pátria, não terminou, à volta das demissões na Polícia Judiciária. Um episódio triste porque, para muitos, a Polícia Judiciária era uma das poucas instituições que funcionava no Estado anémico que temos. Agora, são as detenções de agentes da brigada de trânsito da GNR. Isto coloca uma inevitável e óbvia pergunta: é Portugal um país corrupto? Aparentemente, o caso "Moderna" inaugura a era da corrupção a sério em Portugal, com grandes arguidos e um poder visível que, pela primeira vez, é posto no banco dos réus. Mas antes, já existia uma corrupção à portuguesa que, no essencial, se identificava com os nossos pequenos e tolerados vícios: nepotismo, aproveitamento de dinheiros públicos, fugas à responsabilidade e muitos outros pecados que uma parte apreciável dos nossos compatriotas considera normal e uma marca inconfundível do português genuíno. O mito de que Portugal não é um país corrupto mas, pelo contrário, um recanto onde a virtude luz, não passa disso mesmo: de um mito.

domingo, novembro 10, 2002


O PRESIDENTE CONTRA O CASINO: Estando o presidente de todos os portugueses a desagradar aos portugueses da oposição, tinha fatalmente que causar algum dano aos portugueses da maioria. Vai daí, vetou o plano de um casino para recuperar o Parque Mayer. Claro que esta matéria é pouco importante, comparada com outras que lhe passaram pelas mãos, mas desta vez o dr. Sampaio tinha que agradar ao PS e à esquerda avulsa. Depois de ter estado na origem na ressureição dos touros de morte (crê-se que sobretudo por inabilidade) e de não ter dito quase nada sobre as crises na Defesa e na Justiça (mas dizer o quê, senhores?), o nosso Jorge acalmou os correlegionários mandando para trás uma boa e inofensiva proposta de Santana Lopes, alegando «falta de debate». Santana respondeu bem, não só dizendo que houve bastante debate como lembrando que um certo ex-presidente da Câmara de Lisboa alienou ao Corte Ingles (essa associação benemérita) terrenos para uso público, pelo que a moralidade desse ex-presidente nestas matérias era diminuta. O mais provável é que o projecto gere mais uns tantos «debates», seja ligeiramente reformulado e acabe por ser promulgado pelo PR, sob pena de parecer uma birra absurda em matéria que não é de Estado. Trata-se apenas disto: há uma zona da cidade, de teatros populares, restaurantes e diversão que está, mais do que em crise, ao abandono. O presidente da Câmara sugeriu um casino para financiar a reconstrução. E as virgens pudicas da esquerda, que como se sabe são contra a boémia e os maus costumes, opõem-se à criação de tal antro no centro de Lisboa. Há quem avance (tímidos) argumentos de ordenamento urbano ou de ordem ambiental, mas, no essencial, a nossa esquerda, liderada pelo pregador Louçã, é contra a promoção do vício. O que, vindo de quem vem, é de bradar aos céus. Ou então não passa de teatro de revista.
O SR. GISCARD E A TURQUIA: O presidente da Convenção sobre o Futuro da Europa asneirou outra vez, e agora foi asneira grossa. Vejamos o que afirmou ao Monde de dia 8: «La Turquie est un pays proche de l'Europe, un pays important, qui a une véritable élite, mais ce n'est pas un pays européen", estime-t-il (Giscard), ajoutant : "Sa capitale n'est pas en Europe, elle a 95 % de sa population hors d'Europe, ce n'est pas un pays européen". Se disant "frappé par la pauvreté du débat sur l'élargissement au-delà du continent européen", l'ancien président français a estimé qu'il s'agit d'un débat qu'on ne peut "traiter légèrement" et qui, en tout état de cause, "ne dépend pas principalement des votes de l'électorat turc". La priorité des Quinze, estime-t-il, doit être de réussir l'actuel processus d'élargissement de l'Union, qui va accueillir dix nouveaux pays en 2004. Jusqu'à présent, a-t-il rappelé, "nous n'avons pas été capables d'adapter nos institutions à l'élargissement à l'intérieur du continent européen". Nul ne sait si, dans dix ans, cet élargissement sera considéré comme réussi. Dans l'immédiat, a insisté M. Giscard d'Estaing, l'Union doit résoudre le problème du financement de l'élargissement et de la "cohésion future" de l'Europe. M. Giscard d'Estaing ne croit pas que les Quinze se soient lié les mains lors du sommet européen d'Helsinki, en décembre 1999, lorsqu'ils ont accordé à la Turquie un statut de pays candidat. Il ne croit pas davantage qu'ils seront obligés de franchir une nouvelle étape dans cette direction lors du sommet européen de Copenhague, en décembre. Il constate, d'autre part, que "ceux qui ont le plus poussé à l'élargissement en direction de la Turquie sont les adversaires de l'Union européenne". Ils ont eu ce moyen dans les années 1980, explique-t-il, en faisant ainsi allusion à la Grande-Bretagne, "pour dire 'on va rendre le système fragile, et donc on ira vers une espèce de zone de libre-échange commune à l'Europe et au Proche-Orient'. Ils se sont dit 'avec un tel système, on est tranquilles, parce que l'intégration s'arrête'. Ce n'est pas du tout le projet de l'Union européenne". Le président de la Convention regrette que l'on ait "toujours tenu vis-à-vis des dirigeants turcs un langage ambigu, puisque la majorité des membres du Conseil européen s'est en réalité prononcée contre [l'adhésion de la Turquie], mais on ne l'a jamais dit aux Turcs". M. Giscard d'Estaing entrevoit diverses conséquences à une éventuelle adhésion de la Turquie. En raison de son dynamisme démographique (la Turquie compte aujourd'hui 66 millions d'habitants), "ce serait le plus grand Etat membre de l'Union européenne", et elle disposerait "du groupe parlementaire le plus nombreux au Parlement européen". En outre, explique-t-il, "le lendemain du jour où on ouvrira des négociations avec la Turquie, vous aurez une demande marocaine [d'adhésion à l'Union], le roi du Maroc l'a dit depuis longtemps". Dès lors que l'on "sort du continent", note M. Giscard d'Estaing, "pourquoi sortir du continent à l'est et ne pas sortir à l'ouest ?".Estimant que le problème de l'élargissement hors d'Europe est un problème de fond, M. Giscard d'Estaing précise : "Je donne mon opinion : c'est la fin de l'Union européenne !" Certes, estime-t-il, on peut dire qu'il faut faire "une organisation régionale de l'Europe et du Proche-Orient, avec des institutions, un grand marché, etc.", mais c'est "un autre projet", insiste-t-il. "On ne peut pas discuter, comme nous le faisons, de la législation interne de l'Union, sur des points extrêmement sensibles de la vie quotidienne uniquement européens, et dire que certaines discussions seraient étendues à des pays qui, pour des raisons tout à fait estimables, ont une autre culture, une autre approche, un autre mode de vie." Au lieu d'une adhésion, M. Giscard d'Estaing prône des liens du type de ceux qui unissent les Quinze à l'Ukraine, c'est-à-dire un pacte de partenariat et de coopération. Au sein de la Convention, a conclu M. Giscard d'Estaing, "nous raisonnons sur une Europe à 25 plus 2, point !" [les dix pays candidats qui vont entrer en 2004, ainsi que la Roumanie et la Bulgarie]. Les propos de M. Giscard d'Estaing vont totalement à contre-courant de la position officielle des Quinze. Lors du récent sommet européen de Bruxelles, l'Union s'est félicitée des "mesures importantes" prises par Ankara pour satisfaire aux critères politiques de Copenhague. "La perspective de l'ouverture de négociations d'adhésion avec la Turquie s'en trouve renforcée", précisent les conclusions. L'Union a encouragé les autorités turques à prendre de nouvelles mesures, "ce qui permettra de progresser vers l'adhésion de la Turquie». Na verdade, a Turquia deu enormes passos no sentido da integração, sobretudo nas questões que a UE declarava importantes: democracia, Estado de Direito, respeito dos Direitos do Homem, protecção das minorias, economia de mercado viável e capacidade de fazer face à pressão concorrencial na União. Nesse sentido aboliram a pena de morte, levantaram a interdição ds línguas não-turcas, permitiram em certa medida o ensino do curdo e suprimiram o estado de emergência em certas províncias. Quantos países fariam tanto, em tão pouco tempo? Ainda há passos a dar, claro: a eliminação total da tortura, a libertação de todos os que estão presos por delito de opinião, uma sepraçao estrita entre o poder civil e o Exército. Mas a verdade é que estamos perante um país muçulmano laico (o único do mundo), que deseja maioritariamente aderir à União, e um país que ao longo dos séculos desempenhou um papel importante, e que não devemos hostilizar. Quando os turcos se queixam de que lhes pedimos, enquanto membros da NATO, para conterem o comunismo a Leste e agora deixamos os países de Leste entrar, escandalosamente, primeiro do que a Turquia, têm toda a razão. E tendo em conta que a ameaça hoje é o islamismo radical, é muito conveniente um membro islâmico moderado na UE. O argumento de que a União é um «clube cristão» é de uma hipocrisia imensa, tendo em conta que as origens cristãs da Europa têm sido especificamente ignoradas em documentos oficiais (muito por culpa da França). E mesmo quem não o afirma hipocritamente, não tem razão, porque a Europa é um espaço de liberdade, e a questão religiosa não deve ser um factor, quando se trata, como aqui, de um religiosidade tolerante e cosmopolita. Dizer, agora, que a Turquia não faz parte da Europa, é um monstruosidade, quando se podia aproveitar as eleições turcas, e o facto de os dois partidos representados no novo Parlamento serem ambos pró-europeus, para fazer um gesto de boa vontade em relação a Ankara. Como disse o romancista turco mais conhecido na Europa, Orhan Pamuk, numa entrevista ao Libération de ontem: « Nous sommes en effet géographiquement à la frontière entre deux mondes et notre histoire comme notre culture en découlent. A mes yeux cela représente une chance. Nous avons des partis qui veulent une Turquie totalement occidentale, ou totalement turque, ou totalement islamique. Ces projets radicaux sont réducteurs. Notre richesse est au contraire d'être tout cela à la fois.». O que é muito mais sensato do que os palpites irresponsáveis dos «sábios» do costume.